Batinho e Carla conheceram-se ainda adolescentes. No final do ano, a turma toda foi aprovada para a décima classe e Carla foi de viagem para a Alemanha. Batinho, ao tomar conhecimento, entristeceu-se, pois pensava que seria para sempre.
A vida convida a tristeza e a alegria a juntarem-se à mesma mesa, mas a saborearem bebidas diferentes. E naquela tarde de sexta-feira, Tino convidou os seus amigos para uma partida de futebol no campo próximo da sua casa. Aquele campo que quando a chuva caísse, tornava-se num rio de lamas e, às vezes, sem barras para uma baliza. Contudo, tudo era um improviso; os limites do campo, as barras das balizas, as redes e inclusive a bola que claro, era feita de um embrulho de saco de várias cores.
– Hoje é sexta-feira, Batinho, vamos jogar bola. – Disse Tino.
– Eu não sei jogar bola. – Respondeu Batinho.
– Que tal seres um guarda-redes?
– Eu guarda-redes? Quem vai estar no campo?
– O Dosversos, o Manel, o Putson, o Cornelho, o Marquinho e o Mussungo.
– Ok! Vá à frente, que eu te encontro. Vou ajudar a minha mãe num trabalho e vou já ter convosco. E diga ao Dosversos que traga a sua bola, visto ser a melhor.
– Está bem… Encontre-nos.
– Mãe… Mãe. – Gritou o Batinho. E acresceu:
– Já aí vou, Mãe.
– Ajuda-me a arrumar a cozinha, só depois é que poderás sair de casa. – Disse a mãe do Batinho.
– Mas mãe…
Logo depois que ele terminou de ajudar a sua mãe, Batinho juntou-se aos amigos no campo de futebol, que ficava bem ao lado da sua casa. Ao reencontrar seus amigos, jogaram até o jogo ser interrompido por uma briga entre o Mussungo e o Marquitos, logo, Batinho e outros amigos tiveram de acudir. Marquitos não sabia jogar futebol. Ao invés de marcar para equipa oponente, fez golos à sua própria equipa, várias vezes. O futebol que era apenas um jogo, terminou numa briga e tanto que, Batinho e o Tino saíram, foram à casa, levando o Mussungo com eles. E durante o percurso, Batinho disse:
– Eu quero contar-vos algo.
– Vá lá, conta logo! – Disse o Tino, também tratado por Tibox.
– Trata-se da Carla.
– A Carla?! O que foi? Eu Ouvi de terceiros que ela está na Alemanha. Não?
– Sim, Tino, ela está, mas é como se eu sentisse saudades dela. Disse o Batinho num tom de um olhar apaixonado.
– O puto deve estar apaixonado. – Disse, sorrindo, o Mussungo.
– Explica-nos bem isso, Batinho. – Disse o Tino com uma voz de adulto, que soava a barítono.
– Ultimamente, não sei exactamente o que está acontecendo comigo. É como se ela substituísse os prolongamentos dos meus neurónios; penso nela o tempo todo, falo mais dela a Deus do que de mim mesmo. Sinto-me viciado pelos meus pensamentos e memórias que marcaram as nossas vivências e a sua imagem está digitada nas passarelas do meu lóbulo frontal.
– Eeeeeeeee, meu jovem, pára com isso! – Disse Mussungo e acrescentou: – Paixão, paixão, como ousaste raptar o coração do meu amigo? Como pudeste te infiltrar no plano sagital da felicidade agitada deste ser solitário, deixando-o ainda mais desalojado? Que direito terias tu de ferir um pobre coitado, e quem deferiu o pedido de tomares o controle da sua razão? Será que terás sido enviada pela vizinhança do Amor? Terá sido ele o culpado da tua presença ausente nas lamparinas do seu olhar apaixonado? Tenha compaixão dele e poupe-o das ilusões traiçoeiras, seja gentil. É um jovem prematuro e nada sabe sobre ti, sobre amor e sobre o ódio. Não converta o seu bom coração para as tuas mágoas e desilusões. Seja gentil, seja amável, e seja carinhoso.
Mussungo, disse o Tino. – Deixe o cara provar o amargo sabor da vida, o sabor que qualquer ser humano, obviamente, tem de provar pois, o mundo nos convidou para nascermos, depois crescermos e morrermos. A nossa liberdade está limitadamente predestinada. Mas na vida todos nós já tivemos uma paixão, já nos apaixonamos várias vezes e na mesma proporção nos desapaixonamos por conta das vicissitudes da vida que se perde e se acha nas questõs da metafísica. Ora, ele é um de nós, logo, precisa de provar do bom e do amargo sabor da paixão. Mas quando ela chegar, disse o Tino ao Batinho, faça-lhe uma declaração de amor, um banquete e um convite à paixão para ver, e o amor para testemunhar. Seja simples e objectivo e diga apenas ou apenas diga: “Carla, estou envolvido numa paixão de amor por ti”. E espera a reação dela e prontos. É natural que se espere dela uma retroalimentação positiva, mas não te enganes, pois, as mulheres são como uma célula; umas se adaptam a um antigénio e outras, simplesmente, respondem com repulsão a um corpo estranho num processo de exocitose. Se ela for afável e leve, igual a um gás hidrogenado, leve contigo os meus parabéns. Mas se for rude e pesada igual a um tóxico como um hexafluoreto de enxofre, seja forte o bastante, porque vai doer. Mas não vai ser o fim de tudo, não vai ser o fim da vida. E se sobreviveres a essa dor, os teus olhos abrirão a porta da verdadeira felicidade, da verdadeira realidade da vida, porque no mercado da vida o ser humano chora ao conquistar o que quer e a dor habita na felicidade da alma e na alegria das lágrimas. Seja forte. – Disse o Tino, que também era tratado por Tibox.
Batinho inclinou a cabeça para baixo e para cima num eixo anteroposterior em relação ao pescoço, sorrindo, pegou num vídeo cassete de um actor chinês Jet Lee, interpretando o Mestre das Espadas. O tipo aproximou o “deque” para frente e para trás, ligou a TV e convidou os seus amigos a assistir a trágica revolta de um guerreiro chinês que jura não mais perder uma luta sequer, mas que ainda assim, sua decisão em nunca mais perder, termina no assassinato da sua família inteira; o drama o transforma numa pessoa pacata, mas ainda corajosa o suficiente para combater a favor da china contra um lutador campeão inglês.
Lá eles se divertiram, comeram e beberam da quissangua que Dona Lurdes, mãe de Mussungo havia feito. Logo após o filme, saíram de casa e passaram a tarde na Rua Nova, um bairro vizinho ao bairro de Santa Goreth, mas famosamente conhecido como Santa Ngoti. Bem, a presença deles naquele bairro tinha como objetivo tomar conta das ruas. E para tomar conta das ruas, tinham de vencer uma briga com os jovens daquele e de outros bairros de preto e de cores adormecidas. Na verdade, Batinho não tinha só a Tino, também tratado por Tibox, como amigo. O seu grupo era de aproximadamente seis jovens adolescentes que encorporaram como membros activos daquela quadrilha de mimosos adolescentes que nada sabiam sobre a vida e seus perigos; eram tantos e isso sem contar com os mais adultos, porque em cada briga que perdiam, eles chamavam os mais adultos e fortes para enfrentarem os mais fortes. Enfim, a Rua Nova era um ponto de frequência diária e, embora eles tivessem essa bolada, ninguém, porém, consumia álcool ou cigarro. Apenas a ousadia de um grupo de adolescentes maduramente imaturos, fazia trêmulas as vivências de violências preconizadas por todo e qualquer um que ousasse a endocitar a barreira lipídica daquela bolada.
Numa manhã de domingo, Dona Esmiralda levantou-se cedo como sempre para orientar os filhos.
– Batinho,levanta-te, filho, hoje é domingo. Dá banho à tua irmã enquanto eu faço o pequeno-almoço. Vá lá, ajuda a tua mãe. – Disse a dona Esmeralda.
– Mas, mãe, agora tão cedo… Deixe-me dormir mais um pouco, por favor, deixe-me abraçar mais um pouco só, um pouquinho o sono, que nunca é inimigo de ninguém.
– Filho, acorda logo! Disse dona Esmeralda e acresceu: – no mercado da vida os homens fortes vencem os homens fracos, porque eles não treinaram seus corpos a vencer a dor.
Não treinaram seus rostos a vencer as lágrimas; não treinaram as suas mãos a vencer as tristezas. Tudo o que eles abraçaram foi o sono e preguiça. Foi a preguiça que consumiu o poder de venda dos homens fortes, porque eles não se mostraram, suficientemente, fortes para enfrentar a concorrência dos homens fracos. E tu és meu filho. És o meu presente de Deus não vou deixar você ser consumido pela ténia preguiça. O mercado da vida está cheio de homens