Então comecei uma serie de viagens ao Levante, durante as quaes fomos tres vezes tomados e roubados pelos piratas. Duas vezes o fomos na mesma viagem, o que tornou os segundos piratas mui furiosos, visto que não nos encontravam cousa alguma para roubar. Foi n'estes ataques que comecei a familiarisar-me com o perigo, e a vêr que sem ser Nelson, podia como elle perguntar: – O que é o medo?
Foi n'uma destas viagens, no bergantim Cortese, capitão Barlasemeria, que fiquei doente em Constantinopla. O navio foi obrigado a fazer-se de véla, e prolongando-se a minha doença mais do que eu tinha julgado, achei-me muito falto de recursos.
Como em todas as situações desgraçadas em que me tenho achado, sempre encontrei alguma alma caridosa que me soccorresse, nunca pensei muito na falta de dinheiro.
Entre essas almas caridosas encontrei uma que nunca esquecerei: é a excellente senhora Luiza Sauvaigo, de Niza, que me fez convencer de que as duas mulheres mais perfeitas do mundo, eram minha mãe e ella.
Luiza fazia a felicidade de um marido, excellente homem, e tratava com uma admiravel intelligencia da educação de seus filhos.
Porque razão fallei agora de Luiza? É porque escrevendo para satisfazer uma necessidade do coração, ella me dictou o que acabo de lançar ao papel.
A guerra então existente entre a Porta Ottomana e a Russia contribuiu a prolongar a minha estada na capital do imperio turco. Durante este tempo e ignorando ainda como poderia alcançar recursos para viver, fui admittido como preceptor em casa da viuva Timoni. Este emprego foi-me dado sob recommendação de M. Diego, doutor em medicina, e a quem dou aqui um voto de agradecimento pelo serviço que me prestou. Estava, pois, preceptor de tres meninos. Assim fiquei muitos mezes, até que a vontade de navegar vindo de novo, me embarquei no bergantim Notre-Dame-de-Grace, de que tinha sido capitão Casanova.
Foi este o primeiro navio em que embarquei como capitão.
Não fatigarei o leitor fallando nas minhas viagens, em que nada de extraordinario me succedeu, direi unicamente que atormentado sempre por um profundo patriotismo, nunca cessei de perguntar noticias sobre a ressurreição de Italia, mas infelizmente até á edade de vinte e quatro annos todo o trabalho foi inutil.
Emfim, n'uma viagem a Taganrog veiu a bordo do meu navio um patriota italiano, que me deu algumas noticias sob a maneira porque marchavam os negocios de Italia.
Havia alguma esperança para o nosso desgraçado paiz.
Christovão Colombo, não foi mais feliz, quando perdido no meio do Atlantico, e ameaçado pelos seus companheiros a quem havia pedido só tres dias, ouviu gritar: «Terra», do que eu quando ouvi pronunciar a palavra patria, e vi no horisonte o primeiro pharol preparado pela revolução franceza de 1830.
Havia então homens que se occupavam da redempção da Italia!
Em outra viagem, transportei no Clorinde, a Constantinopla alguns Simoniacos, conduzidos por Emilio Parrault.
Tinha ouvido fallar pouco na seita de «Saint-Simon»; sabia unicamente que estes homens eram os apostolos perseguidos de uma nova religião.
Vendo em Parrault um patriota italiano, dei-lhe parte de todos os meus pensamentos. Então durante essas noutes transparentes do Oriente, que, como diz Chateaubriand, não são as trevas, mas unicamente a ausencia do dia, debaixo d'esse ceu marchetado de estrellas, sobre esse mar de que a brisa parecia cheia de inspirações generosas, discutimos, não só as mesquinhas questões de nacionalidade nas quaes havia pensado muito, questões restrictas á Italia, e a cada provincia – mas até a grande questão da humanidade.
Este apostolo provou-me que o homem que defende a sua patria, ou que ataca a dos outros, é no primeiro caso um soldado piedoso; injusto no segundo, – mas o homem que tornando-se cosmopolita, adopta a todas por patria e vae offerecer a sua espada e o seu sangue ao povo que lucta contra a tyrannia, é mais que um soldado – é um heroe.
Teve então logar no meu espirito uma mudança repentina. Pareceu-me vêr em um navio não o vehiculo encarregado de transportar mercadorias entre os diversos paizes, mas o mensageiro do Senhor. Havia partido avido de emoções, e curioso por vêr cousas novas, e a mim mesmo perguntava se esta idéa irresistivel que me perseguia não tinha horisontes mais dilatados e por descobrir. Via esses horisontes atravez o longiquo véo do futuro.
V
OS ACONTECIMENTOS DE S. JULIÃO
O navio em que desta vez voltei do Oriente destinava-se a Marselha.
Chegando a esta cidade soube da revolução suffocada no Piemonte e dos fuzilamentos de Chambéry, Alexandria e Genova.
Em Marselha travei relações intimas com Covi, que me apresentou a Mazzini.
Então estava longe de suspeitar a grande communidade de principios que um dia me uniria a Mazzini. Ninguem conhecia ainda o persistente e obstinado pensador, que nem a propria ingratidão tem feito desistir da grande obra que emprehendeu. Quando soube da morte de Vocchieri, Mazzini tinha dado um verdadeiro grito de guerra.
Escreveu na sua Joven Italia: «Italianos, é tempo de nos juntarmos, se queremos ficar dignos do nosso nome; e derramar o nosso sangue amalgamando-o com o dos martyres piemontezes.»
Mas em França, em 1833, não se diziam impunemente d'estas cousas. Algum tempo depois de lhe haver sido apresentado, e de lhe ter dito que podia contar comigo, Mazzini, o eterno proscripto, era obrigado a deixar a França e a retirar-se a Genova.
N'esta occasião o partido republicano parecia completamente morto na França. Era um anno apenas decorrido: estavamos a 5 de junho, – alguns mezes depois do processo dos combatentes do claustro Saint-Merry.
Mazzini havia escolhido este momento para fazer uma nova tentativa.
Os patriotas tinham respondido que estavam promptos, mas pediam um chefe.
Pensaram em Romarino, ainda coberto de louros por causa das suas luctas na Polonia.
Mazzini não approvava esta escolha, o seu espirito activo e profundo prevenia-o contra os grandes nomes; mas a maioria queria Romarino, e então Mazzini cedeu.
Chamado a Genova, Romarino acceitou o commando da expedição. Na primeira conferencia com Mazzini foi convencionado que duas columnas republicanas se deviam dirigir ao Piemonte, uma pela Saboia outra por Genova.
Romarino recebeu quarenta mil francos para fazer face ás primeiras despezas, e partiu com um secretario de Mazzini que ia encarregado de o vigiar.3
Todos estes acontecimentos tiveram logar em setembro de 1833; a expedição devia ter logar em outubro.
Mas Romarino conduziu tudo de tal modo que a expedição não estava prompta senão em janeiro de 1834.
Mazzini não obstante todas as tergivergencias do general tinha-se mostrado firme.
Em fim a 31 de janeiro, Ramorino collocado na ultima extremidade por Mazzini reuniu-se a elle em Genova, com dois outros generaes e um ajudante de campo.
A conferencia foi triste, e mal annunciada por pessimos agouros. Mazzini propoz que se occupasse militarmente a villa de S. Julião, onde se achavam reunidos os patriotas saboyanos e os republicanos francezes, que haviam adherido ao movimento.
Era em S. Julião que se devia levantar o grito de rebellião.
Ramorino era da opinião de Mazzini. As duas columnas deviam pôr-se em marcha no mesmo dia: uma partiria de Caronge, e a outra de Nyon, devendo esta atravessar o lago para se reunir á primeira na estrada de S. Julião.
Ramorino ficava com o commando da primeira columna: a segunda estava debaixo das ordens de Graboky.
O governo genovez receioso de se indispor, por um lado com a França, por outro com o Piemonte, viu com maus olhos este movimento. Quiz oppor-se á partida da columna de Caronge commandada por Romarino, mas o povo sublevou-se, e o governo foi forçado a deixal-a marchar.
Não succedeu o mesmo com a que devia partir de Nyon.
Dous