O principe de Carignan disse ao conde de la Maison-Fort, nosso ministro em Florença, qual era a sua posição, e este escreveu a Luiz XVIII relatando-lhe tudo.
Eis um fragmento da carta d'este ministro:
«Para despojar o principe de Carignan da sua herança é necessario chamar ao throno a duqueza de Modena, filha mais velha do rei Victor Manuel. Esta facilidade em affastar a nobre casa da Saboia de um throno por ella creado, esta ingratidão, exemplo do seculo em que vivemos, não póde ser partilhada pelo chefe de uma casa alliada com a Saboia dezoito vezes. A França pois não póde seguir esta politica, porque tem ao menos o direito de exigir a completa independencia do soberano que possue a chave da Italia.»
Luiz XVIII foi de opinião do seu ministro, e escreveu ao principe offerecendo-lhe um refugio na côrte de França. A conducta de Luiz XVIII era o mesmo que dizer – Não tem cousa alguma a receiar, tomo-o debaixo da minha protecção e não consentirei que outro seja rei do Piemonte.
E na verdade um rei que havia dado a carta ao seu povo, não podia criminar um principe por ter promettido uma constituição que não havia reconhecido.
Das tres constituições creadas pelos carbonarios, uma, a do Piemonte tinha sido logo anniquilada pelo rei Carlos Felix; a de Napoles havia sido destruida pela invasão austriaca, e a terceira, a unica existente ia desapparecer com a invasão franceza.
Era, pois, necessario ao principe de Carignan que havia proclamado a constituição hespanhola em Turim ir combater essa mesma constituição a Madrid.
Na realidade era uma posição difficil para o principe, mas a corôa do Piemonte tinha muitos attractivos para elle se occupar de bagatellas.
O principe de Carignan occultou a vergonha debaixo da barretina de granadeiro; fez a campanha de Hespanha e foi um dos vencedores de Trocadéro. D'esta sorte quando Carlos Felix falleceu, 27 de abril de 1851, o principe de Carignan subiu ao throno, com o nome de Carlos Alberto, tendo a vencer poucas difficuldades. A Austria que antes queria ver no throno o seu archi-duque de Modena, enfureceu-se e apresentou aos reis Carlos Alberto como um carbonario, e aos carbonarios como um traidor.
A Austria mentia.
Carlos Alberto não era carbonario: a proclamação em que concedia a constituição mostrava que a dava contra sua vontade.
Carlos Alberto não era um traidor, era um principe que ambicionando o titulo de rei, não havia feito compromissos pessoaes. A vergonha de ir abolir á Hespanha a constituição que tinha proclamado em Turim, tinha desapparecido pela coragem do granadeiro: o soldado havia absolvido o principe.
D'esta sorte a sua acclamação foi saudada com alegria pelos patriotas italianos.
Del Pozzo escreveu-lhe de Londres aonde se achava refugiado:
«Os meios termos e as medidas incompletas na politica não servem para cousa alguma: o Piemonte quer um rei constitucional.»
Outro patriota que guardou o incognito, escreveu-lhe de Marselha:
«Colloque-se á frente da nação, escreva na sua bandeira —União, liberdade e independencia– declare se vingador e interprete dos direitos populares, trate de regenerar a Italia, livre-a dos seus inimigos, e cuidando no futuro dê o seu nome a um seculo, e seja o Napoleão da liberdade italiana.
«Atire á Austria com a luva o nome da Italia, e estou certo que com este escudo fará prodigios. Appelle para tudo o que ha de grande e generoso na Peninsula. Uma mocidade ardente e corajosa impellida pelas duas paixões que fazem os heroes, o odio e a gloria, vive ha muito tempo com um só pensamento, e o seu mais ardente desejo é realisal-o.
«Chame essa mocidade ás armas, ponha as cidades e fortalezas debaixo da guarda dos cidadãos, e livre por este modo de todo e qualquer cuidado que não seja o vencer, reuna em volta de si todos aquelles que sendo notaveis pela intelligencia e pelo valor estejam isemptos de paixões infames. Inspire confiança ao povo, dissipe todas as duvidas sobre as suas intenções, chamando para o seu lado os homens livres. Senhor, digo-lhe a verdade: os verdadeiros patriotas hão-de avalial-o pelas suas acções, mas sejam ellas quaes forem, esteja seguro de que a posteridade verá em V. M. o primeiro dos homens ou o ultimo dos tyrannos.
«Escolha.»
O que na realidade torna os reis os escolhidos do Senhor é que só a elles se escrevem similhantes cartas. Se Carlos Alberto tivesse seguido os conselhos do seu mysterioso correspondente, teria sem duvida começado por Goita, mas talvez não tivesse finalisado por Novara.
Carlos Alberto despresou estes conselhos, e em logar de entrar no largo caminho que se lhe apresentava, metteu-se em uma estrada tortuosa d'onde poucos teem saido incolumes.
Desde este momento o divorcio foi declarado entre o rei da Sardenha e a joven Italia. A joven Italia! Foi por esta epocha que pela primeira vez se pronunciaram estas tres palavras. De que se compunha ella então? De José Mazzini o infatigavel promotor da união italiana. José Mazzini apenas conhecido n'esta epocha por algumas publicações politicas vendo-se perseguido pela policia havia-se refugiado em Marselha aonde collocava a primeira pedra da sua grande empreza enviando com milhares de difficuldades para o Piemonte os exemplares da sua Joven Italia.
A nobreza e o clero piemontez que se haviam apoderado do espirito de Carlos Alberto, começaram a receiar pelo seu poder. Havia dois annos que se tinham estabelecido na côrte, e por isso conheciam qual elle era. Desconfiavam da politica duvidosa de Carlos Alberto, e tinham medo que um dia lhe apparecesse, não alguma sombra de liberdade, mas sim uma idéa ambiciosa. Sabiam que Carlos Alberto n'essas noites de febre, como só os reis teem, sonhava com o throno da Italia.
Para alcançar esse throno seria necessario coadjuvar a revolução. O throno de Italia não estava á disposição dos reis, mas sim do povo.
Era necessario collocar uma barreira entre elle e os patriotas.
Um dia alguem disse:
É tempo de lhe fazer derramar algum sangue.
No mesmo dia Carlos Alberto foi prevenido de que no exercito uma grande conspiração se tramava com o fim de lhe tirar o throno.
Os factos foram desnaturados, os perigos exagerados. Attacaram todas as fibras do homem e do principe para lhe dar esse ressentimento mortal de que tinham necessidade esses homens que se intitulam os salvadores das monarchias.
Uma commissão criminal extraordinaria foi creada em Turim para dirigir todos os supplicios que tivessem logar no Piemonte.
Esta commissão decidiu que todos os accusados militares ou paisanos seriam sentenciados por ella. Foi a primeira violação do codigo penal.
Por esta occasião é que se deu o facto memoravel que vamos relatar.
Um official que se assentava como juiz no conselho de investigação fez algumas perguntas sobre principios de direito criminal a um jurisconsulto. Este respondeu-lhe que a primeira base de toda e qualquer lei, que a primeira regra de todo o codigo era:
«Que um conselho de investigação militar se devia declarar incompetente para julgar cidadãos.»
– Isso é impossivel, disse o official, porque o general ordenou que nos declarassemos competentes.
D'esta vez a base da lei, a regra do codigo foi a ordem do general.
O primeiro que manchou com o seu sangue o manto do novo rei, foi o cabo Tamburelli, que foi fuzilado pelas costas, por haver commettido o crime de lêr aos seus soldados a Joven Italia. O segundo foi o tenente Tolla culpado por ter tido em seu poder livros sediciosos, e conhecendo o author não o haver denunciado. Como Tamburelli foi fuzilado pelas costas. Era uma engenhosa invenção da magistratura piemonteza para assemelhar o supplicio do fuzilado ao da forca.
Já não era sufficiente matar, era preciso tambem deshonrar. A de 15