― Que desilusão! ― Afirmou a senhora, preparando-se para abandonar a consulta. ― Esperar tanto tempo para isto.
― Bom, pense pelo lado positivo, agora que já sabe o que é, já vai poder dormir melhor. ― Afirmei com um sorriso forçado.
― Pois já! Mas se ao menos fossem uns sapatos, mesmo que não fossem o meu número ― protestou a senhora.
― Tome a sua caixa! ― Eu disse com a intenção de a devolver uma vez que já estava fechada tal e qual como estava antes.
― Não a quero. Que bela perda de tempo! Adeus ― concluiu a senhora, enquanto fechava a porta atrás de si.
Fui atrás dela, com a intenção de que voltasse para levar a caixa consigo e a colocar de volta no lugar onde a tinha encontrado, mas a senhora não quis mais saber do assunto, e metendo-se no elevador, fechou as portas de ferro e pressionou o botão para descer.
Aquela foi a última vez que vi aquela mulher estranha, que em vez de pedir ajuda para o seu problema de acumulação de lixo, tinha perdido o sono por causa de uma caixa, que só estava associada ao prazer.
“Boa, e eu a pensar que tinha acabado!”. Disse para mim próprio enquanto regressava ao escritório, sentindo-me satisfeito por ter feito uma boa ação por uma desconhecida. “Agora já pode dormir tranquila”.
Olhei pela janela do escritório quando o vistoso relógio de parede soou. “Caramba! Já é tão tarde”, pensei enquanto levava as mãos ao casaco para me certificar de que tinha as chaves do escritório.
“Agora sim terminei por hoje”, disse a mim mesmo enquanto olhava ao meu redor para me certificar de que estava tudo em ordem antes de deixar o meu local de trabalho, que era como uma segunda casa para mim. Se bem que, na verdade, passava mais tempo ali do que em casa.
Aquelas quatro paredes, carregadas de títulos e de livros, tinham-se tornado tão habituais, que às vezes nem sequer me dava conta de que ali estavam. Só quando alguma coisa estava fora do lugar, é que parecia que se tinha quebrado o ponto de equilíbrio da sala até que a voltasse a colocar no seu devido lugar.
De repente, já com a mão no interruptor, prestes a apagar as luzes, vi sobre uma das cadeiras do escritório aquela caixa de embrulho que tinha desiludido a minha última visita.
“Às vezes é mais importante a ilusão que temos das coisas do que aquilo que realmente podemos esperar delas”, pensei para mim, tendo em conta as circunstâncias em que aquela senhora tinha perdido o sono fantasiando sobre o conteúdo daquela caixa.
“Se ao menos tivesse espreitando antes, teria evitado muitas voltas na calma”, refleti sobre o que aquela caixa tinha representado para aquela mulher, “mas entendo que, por vezes, a ilusão seja a única coisa que nos resta. E perdê-la talvez seja o mais difícil”.
Fiquei a observar a caixa, pensativo, e disse “E agora?”. Não sabia se devia desfazer-me dela ou deixá-la ali a ver se a senhora voltava no dia seguinte para a levar. Curioso, voltei para o escritório, aproximei-me daquela caixa tão bem embrulhada e chamativa, e voltei a abri-la.
Procurei certificar-me se havia mais alguma coisa entre o papel de oferta e aqueles três objetos, mas não encontrei nada. Depois verifiquei se algum dos bilhetes, o do espetáculo e a nota, tinham mais alguma coisa escrita para além do que já tinha lido antes, e surpreso, reparei que a data e hora do espetáculo de balé era para hoje, dentro de uma hora.
“Bem, pelo menos sei onde posso encontrar o dono desta caixa! É melhor devolvê-la, embora não me tenha ficado esclarecido a sua intenção ao deixar a caixa abandonada à sua sorte. Por isso, vou ao balé!”. Eu disse decidido, enquanto pegava na caixa, fechava-a da melhor forma possível e saía do escritório, apagando as luzes atrás de mim.
“Eu a ir ao balé? Há que anos que não vou a um evento artístico como este…muitos anos mesmo”, eu disse tentando-me lembrar da última vez que tinha ido a um. Talvez me tivesse focado demasiado nos meus pacientes, a quem acudi como se se tratasse de um encontro, e quando se atrasavam sem me avisar, ficava nervoso.
Já fazia tanto tempo que não tirava férias, visto que, por diversas vezes, quando regressava de uma viagem de lazer, encontrava um paciente que tinha piorado, pelo simples facto de não ter recebido aconselhamento semanal comigo.
Por isso mesmo, e pela minha forte convicção de que a saúde devia estar em primeiro lugar, fui aos poucos abandonando as viagens de lazer de que tanto gostava. Não tanto pelo facto de poder apanhar banhos de sol numa praia paradisíaca, até porque a minha pele era clara e queimava facilmente quando exposta ao sol, mas para poder fazer visitas culturais a lugares diferentes, aventurando-me pelos seus museus.
Embora que para alguns aquilo pudesse ser enfadonho, para mim era enriquecedor ver como pensavam e atuavam em outras latitudes, com costumes e formas de expressão tão singulares e características. Mas bem, tudo isso tinha ficado para trás e tudo o que restava agora era algum álbum de fotos ou coisa parecida.
― Táxi! ― Gritei ao sair do edifício, depois de me ter despedido do porteiro, com o qual tinha desenvolvido uma boa relação, pois embora não me quisesse meter nos seus assuntos pessoais, vez por outra, procurava-me para o consultar a respeito disso.
Por vezes, custava-me manter a distância dos outros, principalmente quando tinham conhecimento da minha profissão e queriam consultar-me devido a algum caso pessoal ou de algum familiar.
A verdade é que não os podia censurar, embora por vezes fosse desconfortável ter que me negar a atendê-los no meio do corredor ou na rua, sem se darem conta de que existe todo um protocolo estabelecido para que cada paciente usufrua de um tempo, espaço e tranquilidade durante a sua consulta.
Jamais ocorreria a alguém pedir a um cirurgião que lhe operasse no meio da rua, pois era exatamente isso que me pedia, que “operasse a sua alma” em qualquer sítio.
― Táxi! ― Voltei a gritar, enquanto levantava a mão.
― Para onde quer ir? ― Perguntou o condutor quando entrei no seu carro.
― Ao balé, para ver esta obra ― referi, enquanto lhe mostrava o bilhete que tinha deixado fora da caixa, a qual eu levava comigo.
― Vai ser uma longa noite? ― Interrogou o taxista com um sorriso matreiro.
― O quê? ― Falei, estranhando o seu gesto.
― Esta noite vai engatar, de certeza ― respondeu, piscando-me o olho.
― Está a referir-se à caixa? ― Perguntei, reparando que não tirava o olho dela ― pois saiba que não é minha e que tenho que a devolver ao dono, embora não saiba quem ele é.
― Claro! Claro! ― Disse o motorista enquanto remexia na sua camisa ― Olhe, esta é a minha mulher, já estamos casados há dez anos e conhecemo-nos num sítio como esse. Quer dizer, foi numa ópera, embora não me agradem essas coisas, ela adora tudo isso de se aperaltar e ir a sítios elegantes. Estive quase três meses a poupar para poder ter uma noite inesquecível, e no fim, deu tudo certo. A única coisa que lhe disse foi para se vestir de forma elegante e tirar a tarde de folga no trabalho. E foi lá que lhe fiz a derradeira pergunta, e desde então, estamos juntos até hoje ― comentava o taxista enquanto olhava com ternura para a foto desgastada da sua mulher.
― Bom, eu vou fazer perguntas, mas não vai ser essa ― esclareci, embora sem sucesso.
― Chegámos. ― Disse o taxista com um largo sorriso no rosto. ― Boa sorte!
― Sim, obrigado ― respondi sem querer entrar em mais detalhes acerca daquela tarde anormal, em que tinha aceitado consultar de improviso uma mulher com uma caixa, que eu agora trazia comigo e que me levava até um espetáculo de balé que eu desconhecia.
Não é como se eu fosse fã desta arte, mas em certas ocasiões, sobretudo