«Não te repugna todo este sangue?» perguntou-me outra vez.
«Nem por isso. Estou habituada. Em casa como-a todos os dias» revelei.
«Também és uma vampira?» provocou-me.
«Não, sou anémica» expliquei com um tom de voz ligeiro.
«Não é verdade» declarou com um tom de voz firme e o olhar desconfiado.
«Garanto-te. Tenho uma forma muito rara de anemia, que me enfraquece muitíssimo. Por isso, tenho que seguir uma determinada dieta. Sempre foi assim desde que nasci» contei, esperando não revelar nada comprometedor.
«Tu não és anémica» confirmou convicto.
«Digo-te que sim».
A sua determinação começou a deixar-me nervosa.
«Não tens o cheiro de um anémico, fraco e insípido. Pelo contrário, o teu é intenso e persistente. É tão forte que se sente ao longe. Foi precisamente devido a esta tua característica que consegui encontrar-te rapidamente naquela cripta. Portanto, não és anémica».
«Em vez sim».
«Não».
«Sim».
Aquela conversa estava a começar a deixar-me em crise.
A tia não me mentiria sobre algo do género, mas é também verdade que nos últimos dias descobri que muitas das coisas que tinha sempre acreditado, eram apenas um monte de mentiras.
Todavia não podia acreditar que também esta fosse uma aldrabice. Eu ficava realmente mal e me enfraquecia facilmente se não tomava as minhas hemodoses. Tinha que ter forçosamente uma anemia.
Mas e se tivesse algo mais grave?
A tia não me mentiria sobre isto!
Estava perturbada por esta dúvida que estava sementada na minha mente. Não, não era possível! Mas...
Senti os olhos encherem-se de lágrimas. Mais um pouco e teria cedido. Ergui-me e o Blake fez o mesmo.
Com toda a força que me restava no corpo, gritei-lhe com desprezo: «Mas o que te interessa, vampiro? Eu sou anémica. Fim da discussão».
Por um instante Blake olhou-me incrédulo, mas recuperou depressa e procurou irritar-me imediatamente.
«Está bem, não vás pensar em chorar outra vez» provocou-me, ao ver-me à beira das lágrimas.
Noutras circunstâncias, iria me recompor orgulhosa e não faria caso daquelas provocações manipuladoras, mas naquele momento, depois de um dia tão arrasador, a minha mente não foi assim tão reativa.
Agi sem pensar e dei-lhe um estalo em cheio no rosto com toda a força que tinha no corpo. Naquele gesto estavam todo o meu desespero e a minha raiva. Era tudo culpa sua se me encontrava naquela situação!
Durante um longo segundo Blake não mexeu um músculo, enquanto deixei espaço às lágrimas. Era a primeira vez que batia em alguém e estava transtornada. Tremia de raiva e de frustração.
De repente, Blake agarrou-me os braços com dois braços letais, emitindo um rugido feroz que me parou a respiração, enquanto aproximava o seu rosto tenso de raiva ao meu, fixando-me com os olhos gelados e ameaçadores. Vislumbrei os seus caninos alongados surgirem da boca.
Dei-me conta do que tinha feito e senti-me ir abaixo.
Tentei libertar-me das suas garras, mas foi impossível.
«Não queria...» sussurrei com um tom de voz baixo com o olhar fixo nos seus dentes.
Senti por um instante o seu apertão ainda mais insistente, mas depois deixou-me, afastando-me violentamente dele.
«Vai-te embora» rosnou, indicando-me o quarto de dormir no sótão.
«Eu...»
«Vai-te embora!» gritou-me furioso, fazendo-me sobressaltar.
Sem deixá-lo repetir novamente, corri para as escadas e refugiei-me no quarto completamente aberto ao piso inferior.
A cama estava precisamente colocada ao lado do corrimão de metal e daquela posição era possível ver todo o apartamento de cima: o televisor, o sofá, a cozinha.
Sem despir-me, enfiei-me debaixo do cobertor preto da cama.
Aproximei-me do parapeito. Podia ver o Blake que levantou os pratos e depois deitou-se no sofá.
Acendeu a televisão que estava na parede em frente e deixou que uma imagem passasse no ecrã sem som.
Permaneceu durante muito tempo deitado no sofá com os olhos fechados, sem olhar o ecrã.
Não pude evitar admirar a sua beleza.
Para além do físico jovem, perfeito, elegante, harmonioso com as ancas estreitas e as costas largas, tinha um rosto estupendo. Os cabelos negros brilhantes, a pele clara, o nariz direito, os lábios sensuais e os olhos azuis, que não conseguia parar de olhar fixamente.
Eram olhos muito mais claros e frios que os do Kevin, mas mais fascinantes e charmosos.
Não podia acreditar. Tinha acabado de o comparar com o Kevin, o amor da minha vida. Como fui capaz?
E ainda assim, naquele momento, o Kevin pareceu-me tão longe e pequeno. Quem sabe se se questionava acerca do que me teria acontecido?
Não percebi o motivo, mas naquele momento não me interessava muito.
O padre Dominick tinha mesmo razão quando me dizia que me sentia apenas atraída pelo Kevin, mas que o amor era outra coisa. Quem sabe se algum dia irei realmente amar intensamente alguém?
Com estes pensamentos e continuando a olhar fixamente o Blake, deitado imóvel no sofá, adormeci.
Sonhei que o Kevin me chamava. Tentava alcançá-lo e quando finalmente consegui abraçá-lo, descobri que era o Blake.
UNIÃO
Quando acordei descobri que já era de manhã.
Olhei ao redor e veio-me imediatamente à cabeça a minha nova situação.
Levantei-me e desci ao piso inferior.
Enquanto descia as escadas, decidi que aquele ia ser um dia decisivo. Queria saber o que o Blake queria fazer de mim.
Tinha que saber. Estava farta de brincar ao gato e ao rato.
Tentei chamá-lo, mas não obtive resposta.
Estava um silêncio sepulcral naquela casa.
Talvez estivesse realmente sozinha.
Provavelmente o Blake tinha saído.
Haveria momento mais oportuno para deixar o caminho livre?
Era o meu momento.
Sem fazer barulho, aproximei-me da porta de entrada e posei a mão na maçaneta.
«Chamaste-me?» exclamou o Blake atrás de mim, fazendo-me voltar num clique.
Dei por mim em frente ao corpo seminu de Blake. Estava completamente molhado, com uma toalha azul à volta da cintura.
«Eu...Sim. Pensava que estava sozinha» gaguejei cruzando-me com os seus lindíssimos olhos, rodeados por alguns tufos de cabelo negros rebeldes, que lhe caíam sobre o rosto, enquanto algumas gotas de água escorriam-lhe sobre o peito, seguindo a linha dos seus peitorais e da sua barriga lisa e musculada.
Era ainda mais lindo do que imaginava.
De repente, senti o coração bater-me forte no peito e a garganta a arder. Vê-lo daquela maneira tinha-me afetado e não era pouco.
«Com que então querias dar uma volta?» perguntou-me ironicamente, trazendo-me de volta à realidade.