De fato, o exame atento, tanto das vítimas quanto dos responsáveis, revela uma grande variedade de disfunções físicas, psicológicas e sociais (Valent, 2007).
Catástrofes Naturais
Desastres naturais, como incêndios, inundações e terremotos, são geralmente eventos circunscritos de curto prazo que não ameaçam o resto da população. A ajuda vem rapidamente de fora para socorrer as vítimas.
As catástrofes têm sido, sem dúvida, as situações traumáticas de massa mais estudadas cientificamente. Elas revelaram que os eventos traumáticos apresentam diferentes fases: pré-impacto, impacto, pós-impacto, recuperação e reconstrução. Tem se notado, também, que as repercussões dos desastres se espalham para vítimas secundárias, tais como socorristas e crianças, e podem inclusive apresentar consequências através de gerações.
Geralmente, a mortalidade e a morbidade de todos os tipos de doenças aumentam na proporção da gravidade e duração de estresses e traumas específicos. A natureza do que os sobreviventes, as vítimas secundárias e as comunidades experimentam varia muito nos cenários físicos, psicológicos e sociais.
Os primeiros pesquisadores encontraram, por exemplo, sintomas tão variados quanto reviver constantemente os desastres (PTSD), mas também confusão, apatia, tristeza, depressão, sentimento de culpa dos sobreviventes, vergonha, desesperança, alienação e a luta por um sentido.
Valent (1984, 1998), após o incêndio da Quartas-feiras de Cinzas na Austrália, classificou estas respostas variadas de acordo com as manifestações biológicas, psicológicas e sociais dos impulsos de sobrevivência, que vão desde os instintivos até as dimensões espirituais, passando pelo tempo e pelas pessoas. Por exemplo, um homem acreditava que um anjo aparecia nas chamas e que suas asas estavam prestes a envolvê-lo. Um menino acreditava que sua mãe furiosa era uma bruxa e tomou um comprimido mágico para afastar o mal dela.
As catástrofes têm destacado o fato de que os socorristas em geral são afetados secundariamente, especialmente se seus esforços de resgate falharem. Eles podem reagir com empatia à angústia das vítimas ou sentir culpa e vergonha por não ter sido capazes de ajudá-las.
Na verdade, os traumas das vítimas se irradiam não apenas para os socorristas, mas também para os membros da família e da comunidade, e podem ressoar através de gerações.
Guerras
As guerras, mais do que os acidentes de trânsito, demonstraram extrema inadmissibilidade e negação dos sintomas psicológicos nos soldados. Suas queixas foram tratadas como fingimento e covardia. No entanto, milhões de soldados, muitos deles condecorados, ficaram alquebrados, provando que todos eram vulneráveis a extremos de estresse e trauma.
Embora as consequências psicológicas do combate tenham sido registradas desde os gregos antigos, foi somente no século 17 que Hofer compilou a excitação, ‘imaginação’, sintomas gastrointestinais, torpor, prostração e depressão em soldados suíços em uma síndrome que ele chamou de melancolia. Este conceito durou 150 anos, até que na Guerra Civil Americana a saudade de casa (chamada de nostalgia) e a falta de disciplina foram acrescentadas à melancolia.
Na Primeira Guerra Mundial, após alguma resistência inicial, foram reconhecidos sintomas de estresse físico, principalmente do coração. Coração irritável, astenia neurocirculatória e síndrome do esforço eram diagnósticos comuns. Foi adicionado o choque de bombardeio, que se pensava que era o resultado de explosões que causavam um mínimo de dano cerebral. Eventualmente, doenças psicológicas traumáticas puras tiveram que ser reconhecidas devido ao grande número de colapsos mentais.
O trabalho seminal que emergiu da Primeira Guerra Mundial foi o de Abram Kardiner (1941), The Traumatic Neuroses of War. Kardiner descreveu uma grande variedade de sintomas relacionados a eventos traumáticos e que poderiam ser revividos em pesadelos e flashbacks. Eles poderiam se fundir com outras neuroses e sintomas físicos. Kardiner enfatizou que todos os sintomas eram significativos em termos de traumas anteriores, mesmo que esses traumas estivessem inconscientes.
Curiosamente, a chamada pandemia da gripe espanhola de 1918, que matou 50 milhões de pessoas em todo o mundo, e também devastou os combatentes da Primeira Guerra Mundial, não foi mencionada entre as baixas de guerra de cada lado do conflito, a fim de não revelar a vulnerabilidade militar de cada um. Este foi um exemplo flagrante de como as forças políticas podem suprimir o reconhecimento e o tratamento de pandemias. A gripe foi chamada de espanhola porque a Espanha, neutra na guerra, reconheceu a existência da gripe.
Na Segunda Guerra Mundial, as lições da guerra anterior tiveram que ser reaprendidas. Como o próprio trauma, as neuroses traumáticas foram reprimidas. Este é um aviso de que as lições da atual pandemia não devem ser esquecidas.
Uma vez reconhecidas as sindromes de combate, seguiu-se um novo tipo de pesquisa científica. Descobriu que os colapsos psicológicos estavam associados à intensidade e duração da ameaça de morte e ao número de camaradas mortos. Em unidades gravemente estressadas, todos os soldados acabaram por entrar em colapso. Aprendemos que, independentemente dos pontos fortes e vulnerabilidades das pessoas, todos acabavam sendo afetados.
A Segunda Guerra Mundial revelou a importância do moral. A moral consistia na motivação para atingir objetivos importantes e na confiança na capacidade de fazê-lo. Consistia também em ter uma identidade concebida como sendo parte de um grupo, sendo o grupo mais importante do que o indivíduo. O grupo era o corpo, o líder sua cabeça e a pessoa uma parte do corpo. A moral era o antídoto para a ansiedade de aniquilação.
Com a derrota dos objetivos e a perda dos camaradas, a confiança fraquejava e a desmoralização se instalava. O grupo militar perdia seu ‘esprit de corps’. Os indivíduos se sentiam abandonados em um mundo perigoso sem um bom motivo. A disciplina entrava em colapso, os oficiais eram mortos por seus homens e atrocidades ocorriam.
Como na Primeira Guerra Mundial, Grinker e Spiegel (1945) validaram as descobertas de Kardiner sobre uma ampla gama de respostas em soldados traumatizados. Eles se referiam à “ruptura de combate” como “um desfile passageiro de todo tipo de sintomas psicológicos, psicossomáticos e comportamento desadaptado”. Seja depressão, histeria, sintoma somático, fobia, etc., todos os sintomas eram mais uma vez compreensíveis pelos incidentes traumáticos sofridos pelos soldados.
Bartemeier et al. (1946), acrescentaram às descobertas de Grinker e Spiegel uma espécie de quadro traumático definitivo da guerra. Eles o chamavam de “exaustão de combate”. Suas características eram fadiga, lentidão, retração, morosidade e perda de concentração e interesse. Em sua forma completa, os jovens soldados pareciam homens velhos que andavam como autômatos, totalmente exaustos, retardados e apáticos.
Pós-guerra. Pela primeira vez, foi dada muita atenção aos soldados que voltavam. Tornou-se óbvio que em muitos soldados os sintomas não eram claros quando estavam longe do combate. Eles poderiam até durar décadas. Além disso, os sintomas podiam irromper meses ou mesmo anos após a guerra. Ainda vívidos, os sintomas da guerra, com o tempo, se entrelaçavam com tensões e traumas civis.
Profissionais de Saúde Mental. Também pela primeira vez, os profissionais da saúde mental foram submetidos a observação. Descobriu-se que a maioria dos psiquiatras se viam como parte do esforço de guerra. Eles negavam os colapsos mentais; ao invés disso, pressionavam os soldados a fazer maiores esforços e davam diagnósticos pejorativos, tais como fingimento, quando esses esforços falhavam. Mais uma vez vemos como a política de poder pode influenciar o discurso científico mental.
A Guerra do Vietnã. Com a derrota, a desmoralização se manifestou em má disciplina, dependência de drogas, recusa de lutar, assassinato de