Ivo considerou a possibilidade com mais curiosidade do que preocupação. Tendo em conta como Salvatore era dominador, esta situação hipotética fora sempre uma possibilidade real, mas ele já tinha decidido deixar a empresa antes de ceder o controlo que tinha.
«Estás à procura de uma desculpa, Ivo?»
Ivo franziu as suas escuras sobrancelhas ao mesmo tempo que aclarava a garganta.
Na verdade, sabia que nunca deixaria de cumprir as suas obrigações; o mesmo acontecia com o seu avô, que nunca o tinha abandonado. Ivo não era como o seu pai, nem como o seu irmão.
– Bom dia, avô.
Rondando os oitenta anos de idade, Salvatore Greco mantinha um aspeto imponente. A sua pessoa não mostrava nenhum sinal de fragilidade; no entanto, ao voltar-se para olhar para o neto, este pensou, pela primeira vez na vida, que o seu avô era um idoso.
Talvez fosse por causa da luz matinal que incidia diretamente no seu rosto, expondo claramente as profundas linhas na testa, tal como as de ambos os lados do nariz, e que desciam e contornavam a boca.
Estes pensamentos abandonaram-no assim que o avô falou. Na voz de Salvatore não havia sinais de fragilidade nem de velhice quando disse:
– O teu irmão morreu – Salvatore sentou-se na sua cadeira de costas altas por trás da sua enorme secretária.
Ivo, com o olhar perdido, deu voltas na sua mente às palavras do avô sem conseguir percebê-las claramente.
– Eu vou encarregar-me de tudo pessoalmente. Estás a compreender, certo?
Ivo fez um esforço por controlar as diferentes emoções que o assaltavam. O peso que sentia no peito mal lhe permitia respirar.
– O funeral? – perguntou Ivo. Porém, nada daquilo lhe parecia possível, a situação não lhe parecia real. Bruno, nove anos mais velho do que ele, trinta e nove anos… Como podia uma pessoa morrer aos trinta e nove anos?
Não, não podia ser. Tratava-se de um engano, tinha a certeza. Sim, era um terrível engano. Se o seu irmão tivesse morrido, ele já saberia.
– Fizeram-lhes o funeral no mês passado, acho – respondeu o avô com frieza.
As palavras ecoaram na cabeça de Ivo. Precisava de sentar-se. Sentou-se. Andava há semanas de cá para lá, com toda a normalidade, sem saber que o irmão estava morto. Abanou a cabeça.
– No mês passado?
O avô olhou para ele e, sem uma palavra, agarrou uma garrafa e um copo que estavam numa bandeja na sua secretária, deitou um líquido âmbar no copo e passou-o ao neto.
Ivo negou com a cabeça, sem cometer o erro de interpretar o convite como um gesto de consolo. O seu avô era incapaz de consolar alguém. Para Salvatore, mostrar qualquer tipo de emoção era uma fraqueza. E essa era a educação que Ivo tinha recebido.
– Disseste «fizeram-lhes o funeral»? – perguntou Ivo, agora que o seu cérebro começava a funcionar.
O sentimento de perda era quase físico, algo que jurara a si mesmo não voltar a sofrer. Tivera de cuidar de tudo sozinho depois do abandono de Bruno e, por isso, prometera a si mesmo nunca mais voltar a contar com alguém, porque não queria voltar a sofrer como tinha sofrido. E agora, aqueles sentimentos latentes voltavam à vida.
– A mulher estava com ele.
– A sua esposa – declarou Ivo com ênfase.
Só tinha visto a mulher do irmão numa ocasião e isso fora já há catorze anos. Samantha Henderson tinha sido a responsável por o seu irmão mais velho o ter abandonado, o irmão que ele outrora adorava. Apesar de ter-lhe implorado que não se fosse embora, que não o deixasse sozinho. E quanto tempo lhe tinha levado aceitar que Bruno não voltaria para o levar com ele, tal como lhe tinha prometido?
«Estúpido», disse a si mesmo pensando no jovem inocente que fora anos antes. Bruno tinha-lhe dito o que ele desejava ouvir. A verdade era que o irmão nunca tivera a intenção de voltar para ir buscá-lo: abandonara-o.
Era uma constante na sua vida: a primeira pessoa que o tinha abandonado fora o seu pai; depois, Bruno. Uma pessoa que atraía aquele tipo de sofrimento devia ser estúpida, mas Ivo não o era.
Com os anos, tinha chegado à conclusão de que estar sozinho lhe dava força. Não iria permitir que alguém voltasse a fazê-lo sofrer. Não procurava amor, o amor tornava os homens fracos, vulneráveis.
Até agora, tinha sido fácil evitar o amor. E o mesmo acontecia com as relações sexuais. O amor não o afetava, mas a lealdade era outra coisa.
O avô nunca lhe tinha exigido carinho, mas sim lealdade, e Ivo achava-o merecedor dessa lealdade. Salvatore era a única pessoa com quem sempre tinha podido contar, um homem que não fingia ser o que não era. Aquele velho era um demónio, mas ninguém podia acusá-lo de ser hipócrita.
Bruno tinha sido o seu neto preferido. O seu herdeiro.
Ivo, que tinha adorado o irmão, não se tinha importado com isso.
Esperara sempre que ele acabasse por tornar-se um rebelde, que fracassasse. Corria o rumor que era igual ao pai, que tinha herdado os seus defeitos, a sua fraqueza.
Ivo tinha decidido provar a todos os que pensavam assim como estavam enganados. Ele sabia muito bem que o seu pai tinha sido uma pessoa fraca, só um homem fraco se suicidaria deixando sozinhos os dois rapazes sem mãe por não poder viver sem a mulher que tinha amado.
A sua mãe devia ter sido uma mulher especial. Pelo menos, era sempre isso que lhe tinha dito Bruno. Mas Ivo não se lembrava dela e também não se permitia recordar o seu pai, desprezava-o.
A vida do irmão tinha sido muito diferente da dele. Bruno tinha sido um rapaz brilhante, o herdeiro do império do avô. Talvez por isso as consequências por se ter rebelado contra o avô tivessem sido tão extremas.
Salvatore tinha escolhido uma esposa para Bruno, um casamento de conveniência, a filha única e herdeira de um homem quase tão rico como Salvatore Greco e de alta linhagem, algo tão importante para o seu avô como o dinheiro.
O irmão dele tinha deixado tudo para ir viver com a mulher que amava quando Ivo tinha apenas quinze anos. Aparentemente, tinha estado a viver num lugar frio e solitário, uma ilha escocesa. Bruno tinha sido o fraco, não ele.
– Ninguém te informou da sua morte? – perguntou Ivo ao avô fazendo um esforço por compreender o que estava a ouvir.
O avô arqueou as sobrancelhas.
– Sim, o advogado do teu irmão informou-me da sua morte. Ah, e a irmã da mulher dele enviou uma carta, escrita à mão – acrescentou Salvatore, trocista. – Com uma letra quase ilegível.
Ivo, com uma fúria mal contida, abanou a cabeça. Mas também se viu tomado por um irracional sentimento de culpa que se recusava a reconhecer e que o fez estremecer.
– Portanto, sabias? – questionou Ivo apertando a mandíbula.
O avô confirmou com um encolher de ombros.
– E não achaste oportuno informar-me? – acrescentou Ivo sem mostrar a cólera que se tinha apoderado dele.
– De que teria servido, Bruno? – perguntou o avô com um verdadeira tom de desafio na voz sustendo o olhar do neto.
Ivo apertou os dentes. O seu avô, aparentemente sem ter consciência disso, chamara-lhe Bruno.
– Não pensaste que poderia ter querido ir ao funeral?
Tê-lo-ia feito? Nunca o saberia, pensou com ironia.
– Não, não me ocorreu. Cortaste com ele há anos, quando deixou de ser teu irmão. E… tu