O jovem cavaleiro era um fanfarrão genioso e ambicioso, mas pertencia a uma família nobre e rica, e Etienne não tinha dúvida de que ele em breve o deixaria por outro amo que tivesse mais para oferecer. Estava, portanto, disposto a tolerar a presença de Philippe, principalmente porque o cavaleiro era generoso quando se tratava de gastar o próprio dinheiro, e habitualmente pagava refeições em tabernas para si e para os amigos, poupando, dessa forma, as economias do barão.
George era um cavaleiro bom e leal, apesar de um pouco indiferente a qualquer coisa que não fossem as suas vestimentas e o facto de ser o homem mais espirituoso da corte. Era um homem com quem Etienne podia contar numa luta; por outro lado, possuía o dom de evitar que os demais expressassem fisicamente os seus desentendimentos.
Em contraste, Donald Bouchard, de família tradicional, porém pobre, era sério demais, e como tal, Etienne suspeitava, do treino rigoroso de Urien Fitzroy, um mestre cuja fama crescia a cada dia, pela habilidade e integridade moral dos seus alunos.
Seldon Vachon beneficiara imensamente da orientação de Fitzroy. Etienne conhecia a família do jovem, um bando de fanfarrões que só arranjavam confusão. Graças à sólida amizade de Donald, no entanto, e ao exemplo de Fitzroy, Seldon era uma excepção dentro da família.
Os demais cavaleiros e escudeiros tinham pontos comuns entre si, todos ambiciosos e ansiosos para agradar ao seu amo e senhor, cada qual à procura de se distinguir mais que o outro. Alguns eram ricos, outros, pobres, porém todos queriam mais, fosse riqueza, fama, ou poder; e todos esperavam alcançar esses objectivos através de Etienne DeGuerre.
Etienne acalentava expectativas semelhantes, e portanto não colocava empecilhos às aspirações dos seus cavaleiros, desde que eles não tentassem progredir às custas do seu prejuízo.
Assim que examinou o interior do salão, Etienne notou imediatamente a discrepância entre o esmerado entalhe na pedra dos batentes das portas e da lareira, o capricho da pintura das paredes e o lustro dos revestimentos de madeira, e a escassez de mobília. Certamente, móveis e objectos de decoração que tinham sido vendidos para pagar as numerosas dívidas do conde. Contudo, com algum capital inicial e o bom gosto de Josephine, aquele salão em breve transformar-se-ia num palco de exibição da riqueza e do poder do barão DeGuerre.
Ele já detectara o toque de Josephine nos vasinhos de flores que decoravam as mesas. Virou-se para ela, satisfeito, como sempre, ao pensar que aquela criatura maravilhosa lhe pertencia, e que os homens o invejavam, além de tudo mais, por causa dela.
– Onde é que encontraste todas estas flores?
A concubina olhou para ele, surpresa.
– Não fui eu, Etienne – respondeu ela, com a meiguice que lhe era peculiar. – Fiquei a arrumar a bagagem até agora há pouco. As servas devem ter enfeitado as mesas.
– Ah... não tem importância – Etienne esticou um braço para se servir de mais um pedaço de pão, apreciando intimamente aquele extravagante banquete. Decorreria um bom tempo antes que ele autorizasse um evento semelhante no castelo, e portanto, o melhor que tinha a fazer era regalar-se às custas do falecido conde.
O pão era delicioso, a carne soberbamente temperada, as frutas frescas, as massas leves, provando que o conde tinha um excelente cozinheiro e que não fora feita economia no abastecimento do castelo. Os servos executavam as suas tarefas com rapidez e eficiência; obviamente, tinham sido bem treinados.
Que lugar devia ter sido aquele, quando o conde e a sua esposa ainda eram vivos e ricos! Era fácil imaginar o luxo, os preparativos para as recepções, os inúmeros convidados, a música, os risos; também não era difícil visualizar uma filha mimada, alheia à trágica mudança prestes a ocorrer na sua vida. Mas isso não era da sua conta, reflectiu Etienne.
Tudo aquilo era tão diferente do casebre de taipa que fora o lar da sua infância, comandado por uma mãe amargurada e dominadora, e que tinha como única visita as lembranças do pai!
Nada disso tinha importância agora, contudo. Etienne superara as dificuldades do passado, e o conde morrera depauperado.
O barão recapitulou as outras coisas que o rei lhe contara: as tremendas baixas nos stocks, causadas pela generosidade desmedida do conde de Westborough para com quem quer que chegasse aos portões do castelo; a indiferença perante as actividades ilegais, principalmente a invasão de propriedade; as espantosas quantias de dinheiro que ele doava à igreja para a celebração de missas e orações. Não que tivesse restado muito para doar, depois da desastrosa safra do Outono anterior.
Etienne reparara no perfeito estado de conservação da maioria das habitações dos camponeses, enquanto cavalgava em direcção ao castelo. Ocorrera-lhe que, de certa forma, era injusto que o conde perdesse as suas terras, enquanto os arrendatários prosperavam a olhos vistos.
Etienne também ouvira histórias sobre o mimado e imprestável filho do conde, que deixara o país porque se considerara ofendido pelo pai. Talvez o jovem não estivesse a par da situação financeira, ou do precário estado de saúde do pai, mas devia ter tido a preocupação de avisar para onde ia, pelo menos à irmã ou a alguém de confiança no castelo. Por causa do egoísmo de Bryce Frechette, Gabriella encontrava-se em sérias dificuldades, e completamente sozinha. Apesar disso, ela não parecia condenar o comportamento infantil do irmão. Pouco antes, no pátio, mostrara-se contrafeita ao ouvir a verdade revelada abertamente, perante os arrendatários.
Etienne recostou-se na cadeira, pensativo, a observar os seus homens, que, obviamente, estavam a apreciar a esplendorosa refeição. Ele supunha que Gabriella Frechette diria, com a sua voz desafiadora e intrigante, que amava o irmão. Era uma lástima pensar que uma mulher com uma personalidade tão marcante se deixasse cegar pela emoção.
Mas o apuro de Gabriella Frechette pertencia ao passado. Àquela altura, ela já partira de certeza, e Etienne tomaria posse da sua décima propriedade, o número que ele estabelecera a si mesmo, anos antes, quando era pobre e passava fome e frio, no Inverno. Finalmente, a sua busca terminara.
Etienne DeGuerre permitiu-se outro sorriso, enquanto esticava o braço para pegar no cálice de vinho. Antes de o levar aos lábios, contudo, ele ficou imóvel por uma fracção de segundo. Gabriella Frechette acabara de sair da cozinha, trazendo uma travessa com carne, que começou a servir a um embevecido George de Gramercie.
Por todos os santos! Ele pensara que ela tivesse juntado as suas coisas e partido imediatamente após a humilhação em público. O que levava uma mulher a ficar, depois daquilo tudo?
Uma nova sensação invadiu Etienne, algo que há muitos anos ele não experimentava; de repente, sentiu-se envergonhado por ter tentado humilhar aquela mulher forte e corajosa. Seria possível que ela não tivesse consciência da sua verdadeira situação?
Ele percorreu os olhos pelo salão. Philippe de Varenne também observava Gabriella, com uma expressão de cobiça nos olhos de serpente e um sorriso cínico nos lábios finos. Até o normalmente jovial George olhava para ela com o semblante sério.
Felizmente, Donald Bouchard não representava perigo, mas até ele contemplava Gabriella Frechette como se um anjo do céu lhe estivesse a servir o jantar! O único que parecia indiferente à presença de Gabriella era Seldon, cuja atenção estava toda concentrada no prato à sua frente.
Etienne reparou no movimento gracioso e provocante dos quadris de Gabriella. Seria propositado, ou um simples dom da natureza? De qualquer modo, se ela permanecesse no castelo, causaria problemas.
Aquela situação não podia continuar, reflectiu Etienne. Gabriella precisava de se ir embora antes que os seus homens começassem a lutar por causa dela.
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