– Que homens tão musculados! – sussurrou Mary, fascinada. – O barão está à espera de um ataque?
– Não que eu saiba.
Gabriella olhou para os três cavaleiros, reflectindo que nunca se perguntara por que motivo o barão mantinha aquela força à sua volta. Talvez simplesmente fizesse parte da riqueza e do poder, pensou, curvando-se para pegar nos baldes. Mary, no entanto, estendeu um braço para a impedir.
– Deixe, milady, eu levo os baldes – apressou-se a dizer.
– Não, Mary – protestou Gabriella, pegando na alça de corda de um dos baldes e tentando tirar a Mary o que ela já tinha na mão. Era perfeitamente capaz de realizar as suas incumbências, e não queria ser tratada como se fosse um bibelô de porcelana.
– Por favor, milady, deixe-me ajudar – insistiu Mary, segurando a corda com firmeza. O balde começou a balançar.
– Dá-me esse balde, Mary – ordenou Gabriella, lançando um olhar significativo na direcção dos três homens que se dirigiam para a entrada do salão principal. – Não quero que digam ao barão que não estou a cumprir as minhas tarefas.
Mary não largou a corda.
– Eles não estão a olhar. E isto está muito pesado, milady.
– Não, Mary, estou-te a dizer que posso levá-los sozinha! – Gabriella agarrou a corda e puxou com força. Com igual determinação, Mary continuou a segurar a alça do balde, que balançava precariamente entre elas. Quando a corda lhe começou a cortar a mão, Gabriella largou-a, no momento exacto em que Mary fez o mesmo. O balde voou para o ar, derramando água pelo chão, antes de se espatifar e partir, exactamente atrás de um sobressaltado Sir George. A água que sobrara esparramou-se por todos os lados, em cima de Sir George inclusive, antes de escorrer e desaparecer por entre as pedras do pátio.
Sete
– Oh, Sir George, eu sinto muito! – gritou Gabriella, colocando o outro balde no chão e correndo para ele. – Por favor, perdoe-me!
– Desde que não esteja a sugerir com isto que preciso de tomar banho... – brincou Sir George, contemplando as roupas encharcadas.
Atrás dele, Donald e Seldon mal conseguiam conter o riso. Os criados do estábulo e outros servos saíram para o pátio. Guido apareceu à porta da cozinha, com as mãos cobertas de massa, e a cabeça de Alda surgiu a uma das janelas estreitas do andar superior.
Gabriella ficou parada, desorientada, a tentar decidir o que fazer, com as mãos trémulas de nervosismo.
– Acalma-te, minha querida – tranquilizou Sir George, com um sorriso afável e sincero. – Já fui molhado, antes, mas nunca por uma pessoa tão bonita como tu.
Os que assistiam à cena sorriram, e Gabriella detectou risinhos e murmúrios abafados.
– A culpa foi minha – apressou-se Mary a dizer, aproximando-se e parando ao lado de Gabriella.
– Realmente, meninas, não importa quem foi a responsável pelo estado em que me encontro. Em todo o caso, acho melhor trocar de roupa, antes que apanhe uma constipação e depois uma pneumonia. Não seria uma causa muito heróica de morte, não acham? – Ele inclinou a cabeça. – Com licença.
Gabriella levou uma mão à boca, enquanto Sir George entrava no salão com toda a calma, como se fizesse parte do seu dia-a-dia andar com roupas molhadas. Donald e Seldon, divertidíssimos, seguiram-no para dentro do castelo, sem uma palavra ou olhar para as mulheres. Guido voltou para a cozinha, os servos retomaram as suas tarefas, e Alda, depois de um breve momento de evidente pânico, conseguiu tirar a cabeça da janela.
Gabriella imaginou como é que o barão DeGuerre reagiria àquele incidente, se Sir George, Bouchard, Seldon, ou um dos servos lhe contasse. Ela esperava ardentemente que ninguém mencionasse o ocorrido.
– É uma pena que o castelo não tenha ficado para este – murmurou Mary, pensativa. – Ele é muito simpático.
– Sim, muito – concordou Gabriella, abaixando-se para recolher os pedaços do balde partido. Suponho que a minha dívida seja maior, agora.
Com uma expressão séria, Mary pôs-se a ajudar Gabriella.
– Há uma outra coisa que eu lhe queria perguntar – começou ela. – É verdade que o barão estava disposto a deixar William e os outros pagarem a dívida por si, e eles recusaram-se?
– Sim – respondeu Gabriella, colocando os bocados no fundo do balde partido.
– Ora, todos sabem que eles têm condições para pagar, não acha, milady? – recriminou Mary, indignada. – Homens! São todos uns egoístas, se quer saber!
– Tu dizes isso porque não viste o barão, Mary – Gabriella sentiu-se na obrigação de esclarecer. – Ele mete medo. E aumentou as rendas no dia seguinte!
– Mas eles não lhe ofereceram nada? Depois de tudo que o seu pai fez por eles, é assim que retribuem? Eu sinto-me envergonhada, sabia?
– Não ficarei para sempre nesta condição, Mary – lembrou Gabriella.
– Mas não está certo!
Mary segurou o braço de Gabriella e puxou-a para o outro lado do poço, onde não poderiam ser observadas por olhos curiosos.
– Eu tenho umas economias – sussurrou, enfiando a mão dentro do corpete e retirando um pedaço de tecido enrolado e amarrado com um nó. – Tome, milady. Não é muito, mas ajudará um pouco. Pode dar ao barão, como parte do pagamento da dívida.
Gabriella olhou para a oferta sincera. A sua fé no povo do seu pai, justificadamente abalada, renovou-se. Como ela queria que o barão estivesse ali, para assistir àquela cena!
– Não posso aceitar, Mary – recusou, balançando a cabeça. – Tu podes vir a precisar desse dinheiro.
Mary continuou com a mão estendida.
– Milady, isto não é nada comparado com o que o seu pai nos deu. Além do mais, não posso ficar de braços cruzados, a ver milady nesta situação – Mary sacudiu o rolinho de pano. – Se não aceitar, entregá-lo-ei pessoalmente ao barão!
Gabriella conhecia Mary o suficiente para saber que, se não aceitasse a oferta, ela seria capaz de reunir coragem e procurar o barão. Segurou a mão grossa e calejada entre as suas e apertou-a, ternamente.
– Eu agradeço-te, do fundo do meu coração, Mary – murmurou, com sinceridade e humildade. – Sinto-me honrada em aceitar a tua oferta.
O rosto de Mary iluminou-se.
– As outras pessoas também querem ajudar. Jhane é uma, mas ela tem medo que William descubra. Eu disse-lhe, «O dinheiro é teu, ora bolas!» Afinal, não é ela quem faz a cerveja?
– Mary – disse Gabriella, enfiando o saquinho de moedas dentro do cinto. – aprecio tanto o vosso carinho, que não quero causar problemas. Não insistas com Jhane para que me dê o dinheiro.
– Bem... – Mary hesitou, como se não concordasse com o ponto de vista de Gabriella.
– Obrigada, Mary, a sério! Isto é muito mais do que eu podia esperar – Gabriella gesticulou na direcção do que sobrara do balde. – Agora, preciso de voltar ao trabalho, embora, graças a ti, os meus dias como serva serão bem mais curtos!
– E quero que prometa que, no dia em que sair do castelo, irá morar comigo. A minha casinha não é grande coisa, mas é minha.
Gabriella