– Tu és patética. Achas-te muito melhor do que todos os outros que nem sequer te consegues divertir connosco. Parece que a Agatha não esgotou toda a sua energia no palco. Ela está cheia de fel para mim. Prefiro ignorá-la e virar-lhe as costas e ir para o meu camarim pessoal, mas a minha concorrência decidiu o contrário. Ela está na minha frente, a bloquear o meu caminho, e levanta a sua voz para que todos os olhos estejam focados em nós.
– Não tens nada de que te orgulhar. O teu desempenho não foi óptimo. Foi medíocre. Tu tens uma mente preocupada, talvez? Acho que devias retirar-te do espectáculo antes que o estragues para sempre.
– Deixa-a em paz, Agatha. A Caitlyn dançou muito bem hoje à noite. Ela esteve fabulosa, como sempre.
Alex… Meu anjo da guarda, contra todas as probabilidades. A nossa história era curta e desinteressante, mas ele acabou por ser um amigo muito melhor do que um amante para mim. Ele é o único que se adaptou ao meu carácter versátil e óbvia falta de comunicação. Ele rapidamente compreendeu que isso não era mesquinhez da minha parte, mas a minha maneira de ser.
Ele é o defensor dos oprimidos e da causa justa. Acredito que só eu represento a maior parte do seu trabalho como cavaleiro de armadura brilhante, embora não seja o único que goza do seu apoio incondicional. Eu posso ter a mente fechada, mas Agatha não ama ninguém e faz alguns de nós sentir isso. Eu aproveito a intervenção de Alex para entrar silenciosamente no corredor enquanto Agatha grita a sua bílis para quem quiser ouvir.
Os meus colegas estão convencidos de que eu não tenho carácter. Se tivessem feito o esforço de me conhecer, teriam adivinhado a raiva a borbulhar nas minhas veias e a brilhar nos meus olhos. Quando eu era mais jovem, o menor aborrecimento provocava uma violenta birra durante a qual eu batia e quebrava qualquer coisa que estivesse ao meu alcance. Depois comecei a dançar e as minhas birras tornaram-se menos frequentes até desaparecerem. O baile foi o meu escape e não quero retroceder. Prefiro parecer aborrecida e sem sabor do que louca. Quando eu era pequena, o primeiro médico que os meus pais consultaram, acusou-os de abuso. Dos 42 sinais de abuso infantil, eu tive mais da metade, desde lesões físicas a problemas emocionais e comportamentais. Felizmente, a assistente social que foi enviada à minha família para investigação foi treinada em desordem autista, salvando-me de uma colocação de acolhimento que só teria piorado o meu estado psicológico. A ideia de expressar as minhas emoções através de uma actividade partiu dela. Uma bênção. Tornei-me menos violenta, resultando numa diminuição significativa de hematomas e feridas no meu corpo, e a concentração na escola tornou-se mais fácil, uma vez que eu podia soltar-me no final da tarde. Apenas a fuga persistiu. Eu nunca fui embora. Refugiei-me na casa da minha avó até a tempestade passar. Só tive de pensar nela para a ver aparecer no meu espelho. Ela é a única pessoa autorizada a entrar no meu camarim.
– Olá, gata Caitlyn.
Ela vai sempre fazer-me sorrir. Mesmo com o passar dos anos, ela ainda me chama como quando eu era pequena. Pousei a minha lã de algodão e o meu desmaquilhador e dei-lhe um abraço. Aí está. Estou finalmente em casa. Ela só tem que estar lá, não importa onde, para me fazer sentir em paz.
– Olá, avó.
– Deixa-me olhar para ti, Cat.
Ela está a afastar-se e eu estou feliz por cumprir a inspecção dela. Nada lhe escapa, muito menos as olheiras debaixo dos meus olhos, que agora são visíveis sem a maquilhagem que costumava cobri-las.
– Estás linda, querida. É que estás a trabalhar demais e isso mostra. Precisas de descansar.
– Vou pensar nisso, avó.
Ela levanta uma sobrancelha céptica. Ela conhece-me bem demais.
– Está bem. Vou fazer um esforço enquanto estiveres aqui.
– Está bem. Tenciono passar o máximo de tempo possível contigo. Entretanto, tenho a certeza que temos muito sobre o que falar.
Duvido, mas isso não importa. Tudo o que quero é estar com ela, mesmo que não digamos nada uma à outra. Além disso, se eu não tiver nada para falar, talvez ela tenha. Eu sei que ela adora a sua nova casa no meio do nada. E do seu vizinho. Especialmente o seu vizinho. Ela fala dele cada vez que me liga. Acho que ela sonha, secretamente ou não, em arranjar-me um encontro com ele. A minha avó ainda tem sonhos para mim. Ela é adorável.
– Estás pronta para ir, Caitlyn? Os teus pais estão à nossa espera para irmos ao restaurante.
Sim, estão. O famoso jantar de família! A que só acontece na minha noite de abertura e que agora é o meu único contacto com os meus progenitores. No entanto, apesar da nossa total falta de contacto durante o resto do ano, não tenho absolutamente nada para lhes dizer, ou melhor, não posso falar com eles, por isso este jantar transforma-se rapidamente numa refeição silenciosa e desconfortável onde a minha avó luta durante duas horas para recriar laços familiares que realmente nunca existiram. Estou tão entusiasmada com isto como com a ideia de deixar o meu lugar como bailarina principal para a Agatha.
– Tu és muito mais expressiva do que pensas, Caitlyn Cat. Não faças essa cara, querida. Esta refeição é importante para a nossa família.
– Podes crer que é.
– Está bem. Significa muito para mim. Eu quero reunir o meu filho e a minha menina.
Aqueles olhos mendigos… Há muito tempo que os quero ter. Teriam mudado a minha vida, com certeza!
– Tu és uma manipuladora, avó. Eu só preciso de me mudar e estou pronta.
– És a melhor menina do mundo.
– Tenho a certeza que sim.
Ela pára mesmo antes de entrar pela porta para me entregar um envelope que foi colocado por baixo. Eu agarro-o com as mãos trémulas. Eu comecei a temer o correio.
– E Cat, veste um vestido bonito, por favor. Não quero que a tua mãe se passe quando apareceres de calças de ganga rasgadas como da última vez.
– Ver a cara dela na altura fez com que valesse a pena a viagem. Mesmo assim, não tenho coração para sorrir. Eu desvendo o envelope vermelho-sangue, sabendo antecipadamente o que está lá dentro. Todas as cartas ameaçadoras que recebi eram idênticas a estas. Reconheço imediatamente a caligrafia furiosa que cobre o papel. É grosseiro e violento, tanto nas palavras como no traçado tão seco e enérgico que criou buracos na folha sob a virulência dos gestos.
– Tu não me ouviste. Eu disse-te que eras minha e proibi—te de mostrares o teu rabo num tutu a toda a gente. Devias ter-te afastado quando tiveste