Hernandez estava ciente daquilo, mas, até onde ela sabia, ele nunca disse nada a ninguém depois.Uma pequena parte dela temia que esse fosse o verdadeiro motivo pelo qual ele a chamara aqui hoje e que o trabalho era apenas uma desculpa para levá-la à delegacia. Ela imaginou que se ele a levasse para uma sala de interrogatório, ela saberia para onde as coisas estavam indo.
Depois de alguns minutos, ele saiu para cumprimentá-la. Ele parecia muito como ela se lembrava dele, cerca de trinta anos, bem apessoado, mas não excessivamente imponente. Com cerca de um metro e oitenta de altura e um pouco menos de 90 quilos, ele estava claramente em boa forma. Foi só quando ele se aproximou que ela se lembrou do quão musculoso ele era.
Ele tinha cabelos negros e curtos, olhos castanhos e um sorriso largo e caloroso que provavelmente fazia com que os suspeitos se sentissem à vontade. Ela se perguntou se ele cultivava aquele sorriso por esse mesmo motivo. Ela viu a aliança na mão esquerda e lembrou que ele era casado, mas não tinha filhos.
“Obrigado por ter vindo, Sra. Hunt”, disse ele, estendendo a mão.
“Por favor, me chame de Jessie”, disse ela.
“Ok, Jessie. Vamos para a minha mesa e vou te contar o que eu tinha em mente.”
Jessie sentiu uma onda de alívio mais forte do que o esperado quando ele não sugeriu a sala de interrogatório, mas conseguiu evitar tornar isso óbvio. Enquanto ela o seguia em direção ao escritório, ele falou baixinho.
“Tenho acompanhado seu caso”, ele admitiu. “Ou, mais precisamente, o caso de seu marido.”
“Em breve ex”, observou ela.
“Certo. Eu também ouvi isso. Sem planos para permancer com o cara que tentou incriminar você por assassinato e depois te matar, né? Não há mesmo lealdade nos dias de hoje.”
Ele sorriu para deixá-la saber que estava brincando. Jessie não pôde deixar de ficar impressionada com um sujeito disposto a fazer uma piada sobre assassinato para alguém que quase foi assassinada.
“A culpa é esmagadora”, disse ela, brincando.
“Aposto. Eu tenho que dizer, as coisas não parecem nada boas para o seu quase ex-marido. Mesmo que os promotores não peçam a pena de morte, duvido que ele saia da cadeia algum dia.”
“É o que você diz...”, Jessie murmurou, não precisando terminar a frase.
“Vamos para um assunto mais feliz, vamos?”, Hernandez sugeriu. “Como você pode ou não se lembrar da minha visita à sua sala de aula, eu trabalho para uma unidade especial em Roubos e Homicídios. Chama-se Seção Especial de Homicídios, ou SEH, abreviadamente. Somos especializados em casos de grande destaque - dos tipos que geram muito interesse da mídia ou escrutínio público. Isso pode incluir incêndios, assassinatos com várias vítimas, assassinatos de pessoas notáveis e, é claro, assassino em séries.”
“Como Bolton Crutchfield, o cara que você ajudou a capturar.”
“Exatamente”, disse ele. “Nossa unidade também emprega especialistas em perfis criminais. Eles não são exclusivos para nós. Todo o departamento tem acesso a eles, mas temos prioridade. Você já deve ter ouvido falar de nosso professor sênior, Garland Moses.”
Jessie assentiu. Moses era uma lenda na comunidade de especialistas em perfis criminais. Um ex-agente do FBI, ele se tinha mudado para a Costa Oeste para se aposentar no final dos anos 90, depois de ter passado décadas saltando pelo país em busca de assassinos em série. Mas o Departamento da Polícia de Los Angeles fez uma oferta e ele concordou em trabalhar como consultor. Ele era pago pelo departamento, mas não era funcionário oficial, então podia ir e vir como quisesse.
Ele tinha mais de setenta anos agora, mas ainda aparecia para trabalhar todos os dias. E pelo menos três ou quatro vezes por ano, Jessie lia uma história dele desvendando um caso que ninguém mais conseguia resolver. Ele supostamente tinha um escritório no segundo andar deste prédio, dentro do que se dizia ser um antigo depósito de vassouras.
“Eu vou conhecê-lo?”, Jessie perguntou, tentando manter seu entusiasmo sob controle.
“Hoje não”, disse Hernandez. “Talvez se você aceitar o trabalho e se instalar por um tempo, eu a apresentarei. Ele é um pouco mal-humorado.”
Jessie sabia que Hernandez estava sendo diplomático. Garland Moses tinha fama de ser um idiota taciturno e mal-humorado. Se ele não fosse ótimo em pegar assassinos, provavelmente estaria desempregado.
“Então, Moses é como se fosse o especialista emérito em perfis criminais do departamento”, continuou Hernandez. “Ele só aparece para pegar casos realmente grandes. O departamento tem um número de outros funcionários e especialistas em perfis criminais autônomos que usa para casos menos célebres. Infelizmente, nosso especialista júnior, Josh Caster, apresentou sua demissão ontem.”
“Porquê?”
“Oficialmente?”, Hernandez disse. “Ele queria se mudar para uma área mais amiga da familia. Ele tem uma esposa e dois filhos que ele nunca conseguia ver. Então ele aceitou uma posição em Santa Bárbara.”
“E não oficialmente?”
“Ele não conseguia mais desvendar nada. Ele trabalhou no setor de roubo e homicídios meia dúzia de anos, foi para o programa de treinamento do FBI, voltou com pique máximo e entusiasmado e realmente trabalhou duro como um especialista em perfis criminais por dois anos depois disso. E então ele atingiu uma espécie de parede, não conseguia mais evoluir.”
“O que você quer dizer?”, Jessie perguntou,
“Este é um negócio feio, Jessie. Eu sinto que não preciso te dizer isso, considerando o que aconteceu com seu marido. Mas uma coisa é ter uma briga com violência ou morte. Outra é enfrentar isso todos os dias, ver as coisas sujas que os seres humanos podem fazer uns aos outros. É difícil manter sua humanidade sob o ataque dessas coisas. Isso te machuca. Se você não tem um lugar para se livrar dessa carga no final do dia, pode realmente mexer com você. Isso é algo para você pensar enquanto considera minha proposta.”
Jessie decidiu que agora não era a hora de contar ao detetive Hernandez que sua experiência com Kyle não tinha sido a primeira vez que ela vira a morte de perto. Ela não tinha certeza se ver seu pai matando várias pessoas quando criança, incluindo sua própria mãe, poderia prejudicar suas perspectivas de emprego.
“Qual é exatamente a sua proposta?”, ela perguntou, evitando completamente o assunto.
Eles haviam chegado à mesa de Hernandez. Ele fez sinal para ela se sentar em frente a ele enquanto continuava.
“Substituir Caster, pelo menos de forma provisória. O departamento ainda não está pronto para contratar um novo especialista em perfis criminais em tempo integral. Eles investiram muitos recursos no Caster e agora se sentem ressabiados. Eles querem fazer uma grande pesquisa de candidatos antes de contratar um substituto permanente. Enquanto isso, eles estão procurando alguém júnior, que não se importe de não ser contratado em tempo integral e não se importe de ser mal pago.”
“Isso é ótimo para atrair os candidatos mais bem preparados”, disse Jessie.
“Concordo. Esse é o meu medo - que, no interesse de manter os custos baixos, eles escolham alguém que não tenha capacidade. Eu? Eu prefiro tentar alguém que ainda não esteja maduro, mas tenha talento, em vez de um picareta que não consiga traçar um único perfil direito.”
“Você acha que eu tenho talento?”, Jessie perguntou, esperando que ela não soasse como se estivesse pescando por um elogio.
“Eu acho que você tem potencial.