—Temos tido momentos de felicidade e teremos muitos mais, você verá. Quando o médico lhe der a boa nova, você voltará para o palco e Hollingshead lhe dará o papel principal.
—É só o que eu quero! Meu nome em primeiro lugar no cartaz; Katie King, estrela… A Princesa de Trebizonda!
—Pois anote o que eu digo, será exatamente assim! Você tem mais um mês para se recuperar. Disseram-me que o espetáculo que ele trouxe de Paris será o melhor que já vimos. E sempre gostei da música de Offenbach.
—Tenho de tomar parte nele!
—Pois tomara!
Nesse momento, ouviram alguém bater à porta. Era o médico que chegava. Harry estava no corredor quando o Dr. Medwin saiu do quarto de Katie.
Era um homem de meia-idade. O cabelo começava a ficar grisalho e as rugas do rosto, bem como a palidez da pele, denunciavam que ele trabalhava em excesso e achava-se mal alimentado.
Não era somente um bom médico, mas também sabia julgar o caráter das pessoas. Apesar de saber muito bem, quem era Harry Carrington, era um homem que vivia do dinheiro das mulheres com quem se relacionava e ainda assim gostava dele.
Harry era um boa-vida, um homem que jamais trabalhara um dia sequer em toda a existência, mas tinha berço, educação e um encanto que as mulheres julgavam irresistível.
Tem também, pensou o Dr. Medwin, a decência de ficar ao lado de Katie King, nesse momento difícil de sua vida. Se acaso ela tivesse se encontrado a sós com seus temores, muito provavelmente teria se matado.
O rio Tâmisa, que banhava o bairro onde o Dr. Medwin tinha sua clínica, havia recebido em suas águas vários de seus pacientes, que não tinham coragem de encarar a vida, após saberem da verdade em relação à sua saúde.
Harry estava debruçado sobre o corrimão da escada quando o Dr. Medwin saiu do quarto de Katie, fechando a porta.
—Qual é o diagnóstico?— indagou Harry, tenso.
—Mau!
—É o que eu esperava.
—Eu também, mas precisava de uma confirmação. Os testes demonstram, sem sombra de dúvida, a expansão de um câncer.
—E o que o senhor pode fazer?
—Receio que muito pouca coisa. É terrível dizer isto em relação a uma mulher que não tem muito mais de vinte e três anos e é tão bela quanto Katie King.
—Mas com certeza há algo que o senhor possa fazer.
—Posso providenciar para que ela não sofra muito, mas não mentirei, dizendo que as dores não se tornarão cada vez mais agudas e que somente remédios a impedirão de sentir o quanto elas são terríveis.
—Ê tudo?
—Se você fosse rico, poderia lhe dar uma resposta diferente. Existe uma esperança para aqueles que se submetem à cirurgia. É um novo processo, que surgiu há cinco anos, graças às ideia s revolucionárias de um homem chamado Joseph Lister.
—Acho que já li algo a respeito. Ele escreveu um trabalho, defendendo sua crença de que os antissépticos podem impedir a putrefação das fendas cirúrgicas, e suas teorias são confirmadas por tudo aquilo que o cientista francês Louis Pasteur, vem pesquisando em seu país.
—E isto não se aplica ao caso de Katie?
—No que diz respeito à Srta. King, a única providência que posso tomar é mandá-la para um de nossos hospitais, onde haja um leito à sua disposição. Os médicos admitem que a chance de sobreviver após semelhante operação, é de cinquenta por cento, mas garanto-lhe, baseado em minha experiência pessoal, que esta porcentagem é ainda mais baixa.
—É o que me contaram, e eu não permitiria que nem mesmo um animal, suportasse as condições presentes em hospitais desse tipo.
—Exatamente!
Ambos permaneceram em silêncio. O Dr. Medwin pensava na frequência com que tinha de observar a pele e a carne em volta de uma ferida tornarem-se vermelhas, quentes e inchadas. Gradualmente enegreciam, devido à gangrena, emanavam fluidos malcheirosos e pus, e o paciente tremia, tinha febre, terminando por morrer.
Parecia que Harry havia seguido seus pensamentos, pois perguntou:
—O senhor disse que há uma alternativa?
—Existe um médico realizando pesquisas relativas aos métodos de Lister, em seu pequeno hospital particular.
—Qual é o nome dele?
—Sheldon Curtis. É um cirurgião de primeira categoria. Pelo fato de empregar ácido carbólico como antisséptico, durante e após a cirurgia, reduziu as taxas de mortalidade a menos de cinco por cento.
—E quanto é que ele cobra?
—Contando as despesas de internamento em seu hospital, não cobraria menos de duzentas libras.
—No momento não disponho nem mesmo de dez por cento desta quantia!
—Pois então, como disse, farei o possível para impedir a Srta. King de sofrer.
—E o que ela deve fazer enquanto isto.
—O que ela quiser, mas não deve se movimentar muito e certamente não poderá dançar. Sinto muito, Carrington, mas sabia que você preferiria conhecer a verdade.
—Sim, é claro.
—Não é nenhum consolo, mas estou para ter a mesma conversa com outro paciente, cujo estado examinei ao mesmo tempo que o da Srta. King. Já deve ter ouvido falar dele. Mora aqui no bairro. É o professor Braintree.
—Tenho a impressão de que já li algo a respeito dele.
—Trata-se de um homem brilhante, admirado como uma grande autoridade na literatura do Século XIII e muito apreciado pelo mundo intelectual, o que infelizmente não o leva a comprar seus livros.
O Dr. Medwin pegou sua maleta preta, que havia colocado sobre o assoalho, enquanto conversava com Harry.
—Por mais estranho que pareça, a filha dele tem os cabelos da mesma cor, dos da Srta. King. Parece-me uma extraordinária coincidência ter duas pacientes com cabelos de coloração quase excepcional.
—Pode parecer estranho, sim. A exemplo do senhor, quando conheci Katie, não sabia que uma tal cor existia, a não ser nas telas dos clássicos da pintura.
—Ê de uma beleza extraordinária! Lamento profundamente que não se possa fazer mais pela Srta. King, ou pelo pai da Srta. Braintree.
Pôs-se a caminhar em direção à escada e Harry seguiu-o.
—O que o senhor está dizendo é que, se o professor Braintree dispusesse de dinheiro, poderia ser operado pelo Dr. Curtis e poderia ser salvo, a exemplo de Katie.
—Existe uma chance de que o câncer tenha ido longe demais, mas, se quer minha opinião profissional, a Srta. King e o professor poderiam ser salvos, se fossem operados imediatamente por Sheldon Curtis.
Haviam chegado ao vestíbulo sujo e estreito e o médico fez uma pausa, antes de abrir a porta da frente.
—Já sei a resposta, mas tenho de lhe perguntar, se após tudo o que eu lhe disse, gostaria de assumir o risco de levar a Srta. King, ao hospital? O senhor sabe o que eu penso. Se achasse que ela tinha uma chance, por remota que fosse, não hesitaria, mas sei de numerosos casos de pessoas que morreram no hospital, após terem sido praticamente esquartejadas. Se ela tem de morrer, é preferível que morra com higiene.
—Achei que você