Um soldado atacou surgindo das sombras e Ulren agarrou-o com firmeza, procurando alavancagem.
O homem era forte, embora talvez isso fosse simplesmente a idade a pesar contra si. Ulren tinha descoberto que o seu corpo doía-lhe agora, quando havia estado no campo de treinos na sua casa, e as escravas que em tempos iam ter com ele de bom grado tinham agora de esconder as suas expressões de desgosto e desânimo. Havia dias em que ele entrava nos quartos e mal se conseguia lembrar porque é que se tinha dado ao trabalho.
Mas ele não tinha perdido nenhuma da sua astúcia. Ele virou-se com a força da investida do outro homem, enganchando o pé por detrás da perna do seu atacante e empurrando com a força que tinha. O soldado tropeçou, e depois caiu, de cabeça para baixo pelas escadas de espiral abaixo da torre de cinco lados. Ulren deixou-o para os seus guerreiros terminarem. Já era suficiente que ele não tivesse parecido fraco.
“Está tudo pronto no resto da cidade?”, perguntou ele a Travlen, o sacerdote que havia desistido da sua ordem para caminhar ao lado dele.
“Sim, meu lorde. Os teus guerreiros estão a atingir aqueles do povo de Irrien que permanecem na cidade, exatamente neste momento. Algumas das suas empresas comerciais têm-se oferecido para vir para o teu lado, enquanto naquelas que não o fizeram, disseram-me o abate tem sido suficiente para agradar aos próprios deuses.”
Ulren assentiu. “Isso é bom. Aceitem todos os que desejem juntar-se a nós e, depois, vejam quem pode substituir os que os dirigem. Eu não tenho tempo para traidores.”
“Sim, meu lorde.”
“Deuses”, disse Ulren, “estas escadas nunca mais acabam?”
Outro homem poderia ter considerado mover o centro do poder de Felldust assim que tivesse o seu controlo, mas Ulren sabia o que é que era melhor fazer. Numa terra como aquela, a tradição era apenas mais uma forma de manter o controlo.
Eles chegaram ao piso mais alto, onde servos e escravos cortavam frutas e transportavam água, à espera de qualquer capricho dos outros Pedregulhos. Ulren estava ali, com os seus guerreiros espalhados à sua volta.
“Há aqui algum escravo ou servo do Primeiro Pedregulho?”, perguntou ele.
Alguns avançaram. Como é que eles poderiam ser alguma outra coisa? Irrien havia-os abandonado ali. Talvez ele os quisesse no lugar quando voltasse. Talvez ele simplesmente não ligasse. Ulren observou os homens e mulheres que estavam ali. Ele imaginou que Irrien estivesse a saborear o medo nos seus rostos naquele exato momento. Ele tinha passado tempo suficiente em torno do Primeiro Pedregulho para saber exatamente que tipo de homem era o seu rival.
Ulren simplesmente não se importava. “A partir deste momento, vocês são todos meus escravos. Os meus homens vão determinar quais de vocês vale a pena manter, e quais vão ser dados aos templos para sacrifício.”
“Mas eu sou um homem livre”, queixou-se um dos servos que ali estava.
Ulren aproximou-se e apunhalou-o com uma lâmina serrilhada, através do esterno e saindo pelas costas.
“Um homem livre que escolheu o lado errado. Mais alguém deseja morrer?”
Em vez disso, eles ajoelharam-se. Ulren ignorou-os, passando por cima na direção das grandes portas duplas que marcavam a entrada principal da câmara do conselho. Havia outras entradas, uma para cada um dos Pedregulhos. Serviam para mostrar a independência deles. Garantidamente davam-lhes uma maneira de fugir se o tivessem de fazer.
Porém, ele não achava que eles fossem fugir daquilo. Não, se ele o fizesse de forma adequada. Ulren fez sinal para o seu povo parar e esperar. Havia formas de fazer aquelas coisas. Era algo que Irrien nunca tinha entendido, sendo um bárbaro da poeira. Era a única vantagem que o Segundo Pedregulho tinha sobre o Primeiro, e ele pretendia aproveitar-se disso.
Ele estendeu a mão, e um dos seus servos passou-lhe os seus mantos escuros oficiais. Ulren envolveu-os em torno de si, mantendo o capuz para trás enquanto se dirigia para as portas. A espada sangrenta ainda estava na sua mão. Era melhor ser claro sobre o que aquilo se tratava.
Ele foi até uma das janelas altas ali que tinha vista sobre a cidade. A poeira tornava difícil ver alguma coisa, mas ele podia imaginar o que estaria a acontecer lá em baixo. Guerreiros estariam a mover-se pelas ruas, atrás daqueles que Irrien tinha deixado para trás. Pregoeiros estariam a segui-los, proclamando a mudança. Bandidos estariam a dizer aos comerciantes a quem eles agora deviam os seus impostos. A cidade estava a mudar debaixo daquela poeira, e Ulren tinha a certeza de que iria mudar à sua maneira.
Mesmo assim, ele foi cauteloso. Ele já havia estado pronto para conquistar o lugar do Primeiro Pedregulho antes. Ele tinha preparado os mercenários mais fortes, construído um conjunto de segredos, descobrindo depois que um arrivista tinha assumido o trono antes de ele conseguir chegar-lhe.
Quem tinha sido o Primeiro Pedregulho, nessa altura? Maxim? Thessa? Era difícil lembrar, o governo da cidade havia mudado tantas vezes naqueles dias. A única parte que importava era que Irrien tinha ido e levado o que deveria ter sido seu. Ulren tinha sobrevivido aceitando isso. Agora, o Primeiro Pedregulho tinha exagerado, e estava na altura de fazer mais.
Ele entrou na sala onde os Cinco Pedregulhos tomavam as suas decisões. Os outros já estavam lá, como ele tinha esperado que estivessem. Kas estava a acariciar a sua barba tridente com preocupação. Vexa estava a ler um relatório. Borion tinha a ousadia de um homem que sabia que havia problemas.
“O que é isso?”, perguntou ele.
Ulren não perdeu tempo com brincadeiras. “Decidi desafiar Irrien pelo seu lugar.”
Ele observou as reações dos outros. Kas continuou a acariciar a sua barba. Vexa levantou uma sobrancelha. Borion foi quem reagiu mais, mas Ulren já esperava por isso. Irrien tinha advertido o presumido aproximadamente sobre quantos adversários? Quantas vezes é que ele tinha ajudado com dívidas de jogo do outro homem?
“Irrien não está aqui para desafiar,” Borion salientou.
Como se não houvesse precedente para isso. Será que ele achava que Ulren não tinha visto todas as permutações do conselho na sua época como um dos seus Pedregulhos?
“Então isso deveria torná-lo mais fácil, não deveria?”, perguntou Ulren. Ele chegou-se à frente para tomar o lugar de Irrien.
Para sua surpresa, Borion colocou-se à frente dele, desembainhando uma lâmina delgada.
“E achas que vais conseguir ser o Primeiro Pedregulho?”, perguntou. “Um velho que tomou a sua posição há tanto tempo que ninguém sequer se consegue lembrar? Que mantém o lugar de Segundo Pedregulho principalmente porque Irrien não quer disrupção?”
Ulren dirigiu-se para um espaço vazio, despindo o seu manto formal e envolvendo-o folgadamente sobre um braço.
“É por isso que achas que estou apegado a isso?”, perguntou ele. “Queres realmente pôr-me à prova, rapaz?”
“Eu queria-o há anos, mas Irrien estava sempre a dizer-me não”, disse Borion. Ele ergueu a lâmina colocando-a numa postura de um duelista. Ulren sorriu ao ver aquilo.
“Esta é tua última hipótese de viver”, disse Ulren, embora na verdade tal tivesse passado o momento em que o outro homem tinha erguido uma lâmina contra si. “Repara que Kas e Vexa têm mais juízo do que experimentar isto. Coloca a tua arma de lado, e senta-te no teu lugar. Tu até devias ser capaz de subir um lugar.”
“Porquê subir um quando posso matar um homem velho e subir três?”, rebateu Borion.
Ele lançou-se para frente, e Ulren teve de admitir que o rapaz foi rápido. Ulren provavelmente tinha sido mais rápido na sua juventude, mas isso já tinha sido há muito tempo. Porém, ele tinha tido muito tempo para aprender as habilidades da guerra, e um homem que julgava a distância corretamente não tinha de ser rápido. Ele passou em torno o seu manto enrolado, fazendo-o girar e emaranhando-o