"Oh, mas foi ideia do teu pai”, disse a sua mãe rapidamente, com as sobrancelhas erguidas até meio da testa. Ceres sabia que ela estava a mentir agora - sempre que ela fez aquilo, ela estava a mentir.
"Achas realmente que o teu pai ama-te mais do que me ama a mim?", perguntou-lhe a mãe.
Ceres pestanejou, perguntando-se o que é que aquilo tinha a ver.
"Eu nunca poderia amar alguém que pensa que é melhor do que eu", acrescentou.
"Nunca me amaste?", perguntou Ceres, com a sua raiva a transformar-se em desespero.
Com o ouro na mão, Lorde Blaku bamboleou até à mãe de Ceres e entregou-o a ela.
"A tua filha vale cada peça de ouro", disse ele. "Ela vai ser uma boa esposa e vai gerar muitos filhos meus."
Ceres mordeu o interior dos lábios e abanou a cabeça repetidas vezes.
"Lorde Blaku virá buscar-te de manhã, portanto vai para dentro e faz a mala", disse a mãe de Ceres.
"Eu não vou!", gritou Ceres.
"Esse sempre foi o teu problema, miúda. Só pensas em ti mesma. Este ouro vai manter os teus irmãos vivos. Vai manter a nossa família intacta, permitindo-nos permanecer na nossa casa e fazer obras. Não pensas nisso?", disse a sua mãe, sacudindo a bolsa na frente do rosto de Ceres.
Por uma fração de segundo, Ceres pensou que talvez estivesse a ser egoísta, mas então ela percebeu que a sua mãe estava novamente a fazer chantagem emocional, usando o amor de Ceres pelos seus irmãos contra si.
"Não te preocupes", disse a mãe de Ceres voltando-se para Lorde Blaku. "Ceres irá cumprir. Tudo que precisas de fazer é ser firme com ela e ela tornar-se-á tão mansa quanto um cordeiro."
Nunca. Ela nunca seria esposa daquele homem ou propriedade de ninguém. E nunca ela deixaria que a sua mãe ou qualquer outra pessoa trocasse a sua vida por cinquenta e cinco peças de ouro.
"Eu nunca irei com este traficante de escravas", Ceres retrucou, atirando-lhe um olhar de repugnância.
"Filha ingrato!", gritou a mãe de Ceres. "Se não fizeres o que eu digo, vou bater-te tão severamente que nunca mais vais conseguir andar. Agora vai para dentro!"
Pensar em ser espancada pela sua mãe trazia-lhe de volta terríveis e viscerais memórias; ela recordou-se daquele momento terrível quando tinha cinco anos de idade e a sua mãe lhe bateu até tudo ficar escuro. Os ferimentos daquela e de muitas outras sovas sararam – porém, os ferimentos no coração de Ceres nunca tinham parado de sangrar. E agora que ela tinha a certeza de que a sua mãe não a amava e nunca a tinha amado, o seu coração ficou destroçado para todo o sempre.
Antes que Ceres conseguisse responder, a sua mãe aproximou-se e deu-lhe um estalo na cara com tanta força que o seu ouvido começou a zumbir.
Ao início, Ceres ficou chocada com o ataque repentino e quase desistiu. Mas então algo estalou dentro de si. Ela não se deixaria acobardar como sempre fazia.
Ceres bateu na sua mãe, também, na cara, com tanta força que ela caiu no chão, ofegante, horrorizada.
Com o rosto vermelho, a sua mãe conseguiu levantar-se, agarrou Ceres pelos ombros e cabelos e deu-lhe uma joelhada no estômago. Quando Ceres se inclinou para frente em agonia, a sua mãe deu-lhe com o joelho no rosto, fazendo-a cair ao chão.
O traficante de escravas estava ali a observar, com os olhos arregalados, rindo-se, claramente deliciado com a luta.
Ainda a tossir e com falta de ar por causa da investida, Ceres cambaleava. A gritar, ela atirou-se para cima da sua mãe, atirando-a para o chão.
Isto termina hoje, era tudo em que Ceres conseguia pensar. Todos os anos sem ser amada, todos os anos a ser tratada com desdém, alimentavam a sua raiva. Sem parar Ceres batia com os punhos fechados contra o rosto da sua mãe enquanto lágrimas de fúria lhe escorriam pelo rosto e soluços incontrolavelmente se derramavam dos seus lábios.
Finalmente, a sua mãe esmoreceu.
Os ombros de Ceres tremiam a cada choro, as suas entranhas torciam-se de dentro para fora. Inundada em lágrimas, ela olhava para o traficante de escravas com um ódio ainda mais intenso.
"Vais tornar-te uma boa esposa”, disse Lorde Blaku disse com um sorriso astuto, enquanto apanhava o saco de ouro do chão e o prendia ao seu cinto de couro.
Antes de ela conseguir reagir, de repente, as mãos dele estavam em cima dela. Ele agarrou Ceres e subiu para o carro, atirando-a para a parte de trás num movimento rápido, como se ela fosse um saco de batatas. O seu enorme tamanho e força eram demais para ela resistir. Segurando o pulso dela com um braço e segurando uma corrente com a outra, ele disse: "Eu não sou estúpido o suficiente para pensar que ainda estarias aqui de manhã."
Ela olhou para a casa que tinha sido o seu lar durante dezoito anos e os seus olhos encheram-se de lágrimas ao pensar nos seus irmãos e no seu pai. Mas ela tinha de fazer uma escolha se quisesse salvar-se a si própria, antes que a corrente ficasse à volta do seu tornozelo.
Então, num movimento rápido, ela reuniu toda a sua força e soltou o seu braço do traficante de escravas, levantou a perna e pontapeou-o no rosto com tanta força quanto conseguiu. Ele caiu para trás, para fora do carro, no chão.
Ela saltou da carroça e correu o mais rápido que pôde pela estrada de terra, para longe da mulher a quem ela tinha jurado nunca mais chamar de mãe, para longe de tudo o que ela já tinha conhecido e amado.
CAPÍTULO QUATRO
Rodeado pela família real, Thanos esforçava-se por manter uma expressão agradável no seu rosto enquanto agarrava a dourada taça de vinho - contudo ele não conseguia. Ele odiava estar ali. Odiava aquelas pessoas, a sua família. E odiava frequentar reuniões da realeza - especialmente aquelas que se seguiam às Matanças. Ele sabia como as pessoas viviam, o quão pobres elas eram, o quão sem sentido e injusto toda aquela pompa e arrogância realmente era. Ele daria qualquer coisa para estar bem longe dali.
Junto dos seus primos Lucious, Aria e Varius, Thanos não fazia o menor esforço para se envolver nas suas conversas fúteis. Em vez disso, ele observava os convidados imperiais a serpentear pelos jardins do palácio, usando suas togas e estolas, apresentando sorrisos falsos e vomitando falsas subtilezas. Alguns dos seus primos estavam a atirar comida uns para os outros enquanto corriam pela relva bem cuidada e entre as mesas que estavam abastecidas com comida e vinho. Outros estavam a reencenar as suas cenas favoritas das Matanças, rindo e ridicularizando aqueles que tinham perdido as suas vidas naquele dia.
Centenas de pessoas, pensou Thanos, e nem uma tinha sido honrada.
"No próximo mês vou comprar três lordes de combate”, disse Lucious, o mais velho, num tom efusivo enquanto enxugava com um lenço de seda as gotas de suor da sua testa. "Stefanus não valia nem metade do que paguei por ele. Se ele não estivesse já morto, eu próprio lhe teria espetado uma espada por ter lutado como uma menina na primeira rodada."
Aria e Varius riram-se, mas Thanos não considerou o comentário dele divertido. Quer considerassem ou não as Matanças um jogo, eles deviam respeitar os bravos e os mortos.
"Bem, viste Brennius?", perguntou Aria, com os seus grandes olhos azuis arregalados. "Na verdade, pensei em comprá-lo, mas ele olhou para mim pretensiosamente quando eu o estava a observar a ensaiar. Dá para acreditar?", acrescentou ela revirando os olhos e bufando.
"E ele fede como uma doninha-fedorenta”, Lucious acrescentou.
Todos se riram novamente, exceto Thanos.
"Nenhum de nós o teria escolhido", disse Varius. "Embora ele tenha durado mais tempo do que o esperado, a sua forma era horrível."
Thanos não conseguiu ficar calado nem mais um segundo.
"Brennius era quem tinha