Mas Keri temia que isso nunca mais ocorresse. E ao escavar o quadro "estritamente platônico" pela terceira vez hoje, ela não poderia deixar de pensar que, o que uma vez pareceu uma pista promissora, poderia ser apenas mais um devastador beco sem saída.
Fechou a janela no monitor e cerrou os olhos enquanto respirava profundamente várias vezes. Tentando não deixar a desesperança dominá-la, permitiu sua mente flutuar para onde quisesse. Algumas vezes isso a levava ao inesperado, revelando lugares que ajudaram a resolver mistérios que ela pensava estarem além dela.
O que eu estou deixando passar? Sempre há um vestígio. Eu só tenho que reconhecer quando vir um.
Mas isso não funcionou dessa vez. Seu cérebro continuava circulando ao redor da ideia do Viúvo Negro, indetectável e incognoscível.
É claro que alguma vez ela também pensou a mesma coisa sobre o Colecionador. E apesar disso, conseguiu encontrar seu paradeiro, matá-lo e usar as informações em seu apartamento para descobrir a localização de sua filha. Se ela conseguiu uma vez, conseguiria fazê-lo de novo.
Talvez eu precise revisar os e-mails do Colecionador novamente ou retornar a vasculhar seu apartamento. Talvez eu tenha perdido alguma coisa na primeira vez, porque eu não sabia o que procurar.
Ocorreu-lhe que ambos os homens—o Colecionador e o Viúvo Negro—operavam no mesmo mundo. Ambos eram criminosos profissionais de aluguel—um sequestrador de crianças, o outro um assassino. Não parecia impossível que os caminhos deles tivessem se cruzado em algum ponto. Talvez o Colecionador guardasse um registro disso em algum lugar.
E então, ela percebeu que havia outra peça do tecido conectivo. Ambos tinham ligações com o mesmo homem, um abastado advogado do centro da cidade chamado Jackson Cave.
Para a maioria das pessoas, Cave era um proeminente advogado corporativo. Mas Keri o conhecia como o negociante sombrio que representava a escória da sociedade, que estava envolvido secretamente em tudo, de redes de escravas sexuais, passando por operações de tráfico de drogas até assassinato por encomenda. Infelizmente, ela não poderia provar nada disso sem revelar alguns dos próprios segredos.
Mas mesmo sem provas, ela estava certa de que Cave estava envolvido com ambos os homens. E se esse fosse o caso, talvez eles tivessem interagido. Não era muita coisa. Mas era algo para acompanhar. E ela precisava de algo, qualquer coisa, para evitar perder a cabeça.
Ela estava prestes a ir até a sala de evidências para procurar pelas coisas do Wickwire, quando seu parceiro, o Detetive Ray Sands, se aproximou.
—Eu cruzei com o Tenente Hillman na sala do café, ele disse.
—Ele acabou de receber uma chamada e nos deu o caso. Eu posso te dar os detalhes enquanto dirigimos até lá. Está pronta para sair? Você parece estar no meio de alguma coisa.
—Apenas um pouco de pesquisa, ela respondeu, bloqueando o monitor, nada que não possa esperar. Vamos.
Ray olhou para ela curioso. Ela sabia que ele estava totalmente ciente de que ela não estava sendo completamente sincera. Mas ele não disse qualquer coisa enquanto ela se levantou e seguiu o caminho para a saída da delegacia.
*
Keri e Ray eram membros da Unidade de Pessoas Desaparecidas da Divisão Pacífico Oeste. A divisão era considerada a melhor de todo o LAPD e eles eram as duas principais razões para isso. Eles haviam resolvido mais casos nos últimos dezoito meses que a maior parte de divisões inteiras no dobro desse tempo.
E também era verdade que Keri era vista como imprevisível e que conseguia criar tantos problemas quantos conseguia resolver. De fato, tecnicamente, atualmente ela estava sob investigação pelo Assuntos Internos a respeito de como se deu o confronto com o Colecionador. Todos continuavam a dizê-la que era apenas uma formalidade. Ainda sim, isso pairava sobre ela, como uma nuvem de chuva sempre ameaçando a desabar.
Entretanto, apesar dos atalhos que eles pegavam algumas vezes, ninguém poderia questionar seus resultados. Ray e Keri eram os melhores dos melhores, mesmo que estivessem passando por alguns soluços pessoais por esses dias.
Keri preferiu não pensar sobre isso enquanto Ray lhe repassava os detalhes do caso a caminho da cena. Ela não conseguiria lidar com ambos, um caso de pessoa desaparecida e a sua complicada relação com Ray, ao mesmo tempo. De fato, ela teve que olhar para fora da janela para evitar focar nos seus fortes e escuros antebraços segurando o volante.
—A vítima em potencial é Jessica Rainey, disse Ray. Ela tem doze anos e mora em Playa del Rey. A mãe normalmente a encontra no caminho de bicicleta da escola para casa. Hoje ela encontrou a bicicleta caída no canto da rua e a mochila enfiada em um arbusto próximo.
—Nós sabemos alguma coisa sobre os pais? Perguntou Keri enquanto eles se dirigiam para o Culver Boulevard em direção à comunidade a beira-mar, onde ela também morava. Muitas vezes, desavenças entre os pais é um fator determinante. Uma boa metade dos seus casos de desaparecimento de crianças envolvia um dos pais sequestrando o filho.
—Ainda não muito, disse Ray enquanto cortava o tráfego.
Era início de janeiro e fazia frio lá fora, mas Keri reparou gotas de suor escorrendo pela cabeça careca de Ray enquanto ele dirigia. Ele parecia nervoso acerca de alguma coisa. Antes que ela pudesse dar continuidade ao assunto, ele prosseguiu.
—Eles são casados. A mãe trabalha em casa. Ela faz convites de casamento artesanais. O pai trabalha na Silicon Beach, para uma empresa de tecnologia. Eles têm um filho mais novo, um garoto de seis anos de idade. Ele está aos cuidados da escola hoje. A mãe verificou e ele está lá, são e salvo. Hillman disse a ela para deixá-lo lá por agora, para que o dia dele possa continuar normal o maior tempo possível.
—Não muito para seguirmos, comentou Keri. A CSU está a caminho?
—Sim, Hillman os enviou ao mesmo tempo em que nos enviou. Eles podem já estar por lá, tomara que estejam processando a bicicleta e a mochila para digitais.
Ray atravessou o cruzamento com o Jefferson Boulevard rapidamente. Agora, Keri quase conseguia ver o apartamento dela à distância. O oceano estava apenas a oitocentos metros depois dele. A casa dos Rainey ficava em um setor separado, mais chique, da comunidade, em uma grande colina com casas multimilionárias. Eles estavam a menos de cinco minutos de lá.
Keri reparou que Ray havia ficado excepcionalmente silencioso. Ela podia dizer que ele estava reunindo coragem para dizer algo. Ela não conseguia explicar o porquê, mas ela temia isso.
Ela e Ray Sands se conheciam há mais de sete anos, antes de Evie ser raptada, quando ela era uma professora de criminologia na Universidade Loyola Marymount e ele era o detetive local que tinha sido voluntariado pelo chefe para dar uma palestra na turma dela.
Após Evie ser sequestrada e a vida de Keri desmoronar, ele estivera ali, tanto como detetive trabalhando no caso quanto um amigo amparador. Ele sempre esteve ao lado dela durante o divórcio e o descalabro de sua carreira. Foi Ray que a convenceu a se juntar à força policial. E quando ela veio para a Divisão Oeste de Los Angeles, após dois anos como policial de rua, ela se tornou sua parceira na Divisão de Pessoas Desaparecidas.
Em algum lugar ao longo do caminho, a relação dos dois se tornou mais próxima. Talvez fosse, parcialmente, todo o flerte de brincadeira. Talvez fosse o fato de que ambos haviam salvado a vida um do outro múltiplas vezes. Talvez fosse, em parte, simples atração. Ela até reparou que Ray, um galanteador de destaque, havia parado de mencionar outras mulheres, mesmo de brincadeira.
O que quer que fosse, nos últimos poucos meses eles passaram bastante tempo fora na casa um do outro após o trabalho, indo juntos a restaurantes, ligando um para o outro para conversas não relacionadas a trabalho. Era como se fossem um casal de todas as formas, menos uma. Eles nunca deram o salto final para consumar a conexão. Diabos, eles nunca nem tinham se beijado.
Então, por que eu estou com medo do que eu acho que ele está prestes a falar?