Eu solto Bree de meus braços, afastando seu cabelo de seu rosto, sorrio o mais gentilmente possível. E reúno a voz mais forte e mais adulta que posso.
“Bree, eu preciso que você ouça,” eu comecei. “Eu preciso sair agora, só por um tempinho—”
“NÃO!” ela protesta. “EU SABIA! É igualzinho ao meu sonho! Você vai me deixar! E nunca mais vai voltar!”
Eu seguro seus ombros com paciência, tentando consolá-la.
“Não é nada disso,” eu digo firmemente. “Eu só preciso sair por uma ou duas horas. Preciso me certificar que nossa nova casa está segura para a gente se mudar hoje à noite. E eu tenho que procurar alimento. Por favor, Bree, entenda. Eu a levaria comigo, mas você está muito doente agora e precisa repousar. Estarei de volta em algumas horas. Eu prometo. E então, à noite, nós vamos lá juntas. E sabe qual a melhor parte disso?”
Ela olha para mim, lentamente, ainda chorando e, eventualmente, sacode a cabeça.
“A partir de hoje à noite, nós estaremos lá em cima, juntas, seguras e a salvos, e teremos fogueira todas as noites e toda a comida que você quiser. E eu posso caçar e pescar e fazer tudo o que precisamos lá, na frente da casa. Eu nunca mais a deixarei de novo.”
“E Sasha pode ir junto também?” ela pergunta, entre lágrimas.
“E Sasha também” eu falo. “Eu prometo. Por favor, confie em mim. Eu voltarei para você. Eu jamais a deixarei.”
“Você promete?” ela pergunta.
Eu reúno toda a seriedade que consigo e a olho diretamente nos olhos.
“Eu prometo,” eu respondo.
O choro de Bree diminui e ela acaba concordando, parecendo acreditar.
Meu coração se parte, mas eu rapidamente me inclino, lhe dou um beijo em sua testa e me levanto, atravesso a sala e saio pela porta. Eu sei que se eu ficar um segundo a mais aqui, eu nunca conseguirei deixá-la.
A porta se fecha atrás de mim e eu não consigo afastar a terrível sensação de que nunca mais verei minha irmã de novo.
TRÊS
Subo a montanha sob a luz brilhante da manhã, uma intensa luz que cintila a neve. É um universo branco. O sol está tão forte que eu mal enxergo com esse clarão. Faria qualquer coisa por um par de óculos escuros ou um boné de beisebol.
Hoje, felizmente, não há vento e o dia está mais quente do que ontem; enquanto caminho, ouço a neve derretendo a minha volta, gotejando em pequenos córregos que descem montanha abaixo e caindo em grandes quantidades dos galhos dos pinheiros. A neve está mais fofa e está mais fácil andar por ela.
Olho por cima de meu ombro, inspeciono o vale que se estende abaixo e vejo que as estradas estão parcialmente visíveis de novo, sob o sol da manhã. Isto me preocupa, mas logo me censuro, aborrecida por me deixar levar pelos presságios. Deveria ser mais forte. Mais racional, como papai.
Estou usando meu capuz, mas preciso abaixar minha cabeça devido ao vento que se torna cada vez mais forte à medida que eu subo a montanha, eu gostaria de ter trazido meu novo cachecol. Eu junto minhas mãos e as esfrego, desejando ter luvas também; em seguida, dobro minha velocidade. Estou decidida a chegar lá rápido, inspecionar a casa, procurar pelo cervo e regressar rapidamente para Bree. Talvez eu pegue mais algumas compotas de geleia; isso animará minha irmã.
Eu sigo os meus rastros de ontem, ainda visíveis na neve derretida e, dessa vez, a subida está mais fácil. Em vinte minutos, estou de volta onde eu estive ontem, caminhando sobre o platô mais alto.
Estou certa de que estou no mesmo lugar de ontem, mas eu procuro pela casinha e não a encontro. Ela é tão bem escondida que, apesar de eu saber sua localização, eu não a vejo. Começo a me perguntar se estou no local correto. Eu continuo andando, seguindo minhas pegadas, até ficar exatamente no mesmo ponto do dia anterior. Eu estico meu pescoço e, finalmente, a encontro. Fico impressionada ao ver como ela é quase invisível isso me deixa ainda mais animada para morar aqui.
Fico parada, ouvindo. Tudo está silencioso, com exceção das gotas pingando. Eu examino a neve cuidadosamente, procurando por qualquer sinal de pegadas saindo ou entrando da casa (foras as minhas). Não encontro nenhuma.
Eu me dirijo até a porta, paro diante da casa e viro 360°, inspecionando a floresta em todas as direções, analisando as árvores, à procura de qualquer sinal de inquietação, qualquer evidência que alguém esteve aqui. Fico assim por pelo menos um minuto, ouvindo. Nada acontece. Nada.
Finalmente me convenço, aliviada de que este lugar é realmente nosso, só nosso.
Eu empurro a pesada porta, emperrada pela neve e uma luz brilhante inunda o interior. Abaixo minha cabeça e entro, sinto como se a visse pela primeira vez, à luz. É pequena e aconchegante, como me lembro. Vejo que o piso é feito de grandes tábuas de madeiras de verdade, que parecem ter, no mínimo, uns cem anos. Aqui dentro é silencioso. As pequenas janelas abertas, de todos os lados, também deixam passar muita luminosidade.
Analiso a habitação sob a luz, procurando por qualquer coisa que eu possa ter deixado passar– mas nada encontro. Olho para baixo e encontro a alça da porta do alçapão, me ajoelho e o abro com um puxão. Sobe uma nuvem de poeira, que dança na luz do sol.
Desço pela escada, dessa vez, com toda luz refletindo, tenho uma visão muito melhor do depósito aqui embaixo. Deve haver centenas de vidros. Vejo vários frascos de geleia de framboesas e pego dois deles, enfiando um em casa bolso. Bree vai amar isso. E Sasha também.
Eu faço uma análise superficial dos outros frascos e vejo todo tipo de comida: picles, tomates, azeitonas, chucrutes. Também encontro diferentes sabores de geleias, com pelo menos uma dezena de frascos de cada um. Há mais ainda no fundo, mas eu não tenho tempo de olhar com atenção. Não consigo parar de pensar e me preocupar com Bree.
Subo a escada, fechando o alçapão e correndo para fora da casa, fechando bem a porta atrás de mim. Fico parada e olho atentamente a minha volta mais uma vez, me preparando caso alguém esteja me observado. Eu ainda temo que tudo isso seja bom demais para ser verdadeiro. Mas, uma vez mais, nada acontece. Talvez eu só esteja muito apreensiva.
Vou em direção aonde vi o cervo, a uns trinta metros de distância. Assim que chego lá, tiro a faca de caça de meu pai e a seguro do meu lado. Sei que é um tiro no escuro encontrá-lo novamente, mas talvez este animal seja uma criatura de hábitos, como eu. Não sou veloz o suficiente para persegui-lo, nem rápida o bastante para atacá-lo – também não possuo uma pistola nem nenhuma arma para caça. Mas eu tenho uma chance, minha faca. Sempre me orgulhei de acertar o alvo a trinta metros de distância. Lançamento de facas era uma das minhas habilidades que sempre impressionou meu pai – ou pelo menos o impressionava o suficiente para ele nunca me criticar nem me corrigir. Ao contrário, ele sempre se deu o crédito, dizendo que eu havia herdado seu talento. A verdade, porém, é que ele não tinha metade da minha capacidade para lançar facas.
Fico de joelhos onde eu estava antes, me escondendo atrás de uma árvore, de olho no platô, segurando a faca em minha mão, esperando. Rezando. Só consigo ouvir o vento.
Imagino o que eu irei fazer caso veja o cervo: colocar-me-ei de pé lentamente, apontarei e lançarei a faca. Primeiro penso em mirar em seus olhos, mas então decido apontar para sua garganta: mesmo que eu erre o alvo por alguns centímetros, ainda há chance de acertá-lo em alguma outra parte. Se minhas mãos não estiverem muito congeladas, e se eu for cuidadosa, acredito que talvez, quem sabe, eu consiga feri-lo. Mas então me dou conta que há muitos “ses” e “talvez” nesse pensamento.
Os