Kyra não está surpresa. O festival da Lua Inverno é um dos feriados mais importantes do ano, e todos estão ocupados se preparando para a festa por vir. Uma grande multidão de pessoas se amontoa sobre a ponte levadiça, correndo para pegar suas mercadorias nos fornecedores, para juntar-se à festa do forte – enquanto um número igual de pessoas corre para fora do portão, apressando-se para retornar para suas casas e celebrar com suas famílias. Bois puxam carrinhos e levam mercadorias em ambas as direções, enquanto pedreiros erguem mais um muro que está sendo construído para proteção do forte, o som de seus martelos uma constante no ar, pontuando o barulho do gado e de cães. Kyra se pergunta como eles podem trabalhar com este tempo, como eles evitam que suas mãos se congelem.
Ao entrarem na ponte, misturando-se com as massas, Kyra olha para frente e seu estômago se contrai quando ela vê, de pé perto da porta, vários dos homens do Lorde, os soldados do Lorde Governador, designados pela Pandésia, vestindo suas distintivas cotas de malha escarlate. Ela sente um lampejo de indignação com a visão, compartilhando o mesmo ressentimento que o restante de seu povo. A presença dos homens do Lorde é opressiva a qualquer momento – sobretudo durante a Lua Inverno, quando eles certamente só poderiam estar ali para recolher os recursos que puderem de seu povo. Em sua mente, eles não passavam de coletores, coletores valentões para os aristocratas desprezíveis que tinham se colocado no poder desde a invasão Pandesiana.
O antigo rei e sua fraqueza eram responsáveis por aquela situação, tendo se rendido a eles – mais isso fazia pouca diferença agora. Agora, para sua desgraça, eles tinham que respeitas aqueles homens, o que deixa Kyra furiosa. A situação faz de seu pai e seus grandes guerreiros, e todo o seu povo, nada mais do que servos elevados; ela desesperadamente deseja que todos eles se revoltem, – que lutem por sua liberdade, para lutar a guerra que o antigo rei havia temido. No entanto, ela também sabe que se eles se revoltarem agora, terão que enfrentar a ira do exército Pandesiano. Talvez eles pudessem ter oferecido resistência se nunca os tivessem deixado entrar; mas agora que eles estão entrincheirados, seu povo tem poucas opções.
Eles chegam à ponte, misturando-se com a multidão, e quando eles passam as pessoas param, olham, e apontam para o javali. Kyra tem uma pequena satisfação ao ver que seus irmãos estão suando sob o peso do animal, ofegantes. Enquanto eles andam, cabeças se viram e as pessoas ficam boquiabertas, plebeus e guerreiros igualmente, todos impressionados com a enorme criatura. Ela também vê alguns olhares supersticiosos, algumas das pessoas querendo saber, como ela, se aquilo seria um mau presságio.
Todos os olhos, no entanto, olham para seus irmãos com orgulho.
"Uma excelente caça para o festival!" Um fazendeiro grita, guiando seu boi ao se juntar à eles na rua.
Brandon e Braxton sorriem orgulhosos.
"Ele deve ser suficiente para alimentar metade da corte de seu pai!" Grita um açougueiro.
"Como vocês conseguiram fazer isso?" Pergunta um seleiro.
Os dois irmãos trocam um olhar, e Brandon finalmente sorri de volta para o homem.
"Um lance perfeito e falta de medo," ele responde com ousadia.
"Se você não se aventurar na Floresta," Braxton acrescenta, "nunca saberá o que poderia encontrar."
Alguns homens gritam, dando tapinhas nas costas deles. Kyra, apesar de tudo, segura a língua. Ela não precisa da aprovação dessas pessoas; ela sabe o que tinha feito.
"Eles não mataram o javali!" Aidan grita, indignado.
"Cale-se," Brandon dispara, olhando para ele. "Diga mais uma palavra e eu vou contar a todos que você mijou nas calças quando ele atacou."
"Mas isso não aconteceu!" Aidan protesta.
"E você acha que eles vão acreditar em você?" Acrescenta Braxton.
Brandon e Braxton dão risadas, e Aidan olha para Kyra, como se quisesse saber o que fazer.
Ela balança a cabeça.
"Não desperdice o seu tempo," ela fala para ele. "A verdade sempre prevalece."
A multidão aumenta à medida que eles atravessam a ponte, e logo eles estão ombro a ombro com as massas, caminhando sobre o fosso. Kyra pode sentir a emoção no ar com o anoitecer, tochas são acesas ao longo da ponte, e a neve se intensifica. Ela olha para cima e seu coração dispara, como sempre, ao ver o enorme portão de pedra de acesso ao forte, guardado por uma dúzia dos homens de seu pai. Na parte superior há lanças de uma grade levadiça, com suas pontas afiadas e barras grossas e fortes o suficiente para impedir a entrada de qualquer inimigo, pronta para ser fechada com o simples tocar de uma buzina. O portão tem nove metros de altura, e no topo há uma ampla plataforma, e ao redor de toda a fortaleza, largas muralhas de pedra repletas de mirantes, sempre mantendo um olhar vigilante. Kyra sempre havia considerado Volis uma bela fortaleza, sentindo orgulho dela. O que lhe dá ainda mais orgulho são os homens em seu interior, os homens de seu pai, muitos dos melhores guerreiros de Escalon, lentamente se reagrupando em Volis depois terem se separado durante a rendição do antigo Rei, atraídos como um ímã para o pai. Mais de uma vez ela havia pedido ao pai que se declarasse o novo rei, como todo o seu povo queria que ele fizesse, mas ele apenas balançava a cabeça, dizendo que aquele não era o seu caminho.
Ao se aproximarem do portão, uma dúzia dos homens de seu pai saem montados em seus cavalos, e as massas abrem caminho para eles, que se dirigem ao campo de treinamento, uma grande área circular nos campos do lado de fora do forte, cercado por um muro baixo de pedra. Kyra se vira para vê-los partir com o coração acelerado. Os campos de treinamento são seu lugar favorito. Ela costuma ir até lá para vê-los treinar por horas, estudando cada movimento que eles fazem, a forma como eles montam seus cavalos, a maneira como eles sacam as espadas, arremessam lanças e usam flagelos. Aqueles homens cavalgam para treinar apesar da neve que cai e da noite que se aproxima, mesmo na véspera de uma grande gesta, porque querem treinar, querem aprimorar suas habilidades, porque eles preferem passar um tempo no campo de batalha do que dentro de casa banqueteando – exatamente como ela. Aqueles, ela sente, eram seu verdadeiro povo.
Outro grupo dos homens de seu pai sai pelos portões, e quando Kyra chega perto do portão com seus irmãos, os homens se afastam, assim como as massas, abrindo caminho para Brandon e Braxton quando eles se aproximam com o javali. Eles assobiam em admiração e se reúnem ao redor deles, grandes homens musculosos, mais altos até do que seus irmãos, que não eram baixos, a maioria deles usando barbas salpicadas com cinza, todos eles homens endurecidos, com trinta ou quarenta anos, que já tinham visto muitas batalhas, tendo servido o antigo rei e sofrido a indignidade de sua rendição. Homens que nunca teriam se rendido por conta própria. Aqueles eram homens que já tinham visto de tudo e que não ficavam impressionados com muita coisa – mas eles certamente parecem espantados com o javali.
"Vocês mataram isso sozinhos, foi?" Pergunta um deles para Brandon, chegando perto e examinando o javali.
A multidão engrossa e Brandon e Braxton finalmente param, aceitando os elogios e admiração daqueles grandes homens, tentando não demonstrar a dificuldade que estão sentindo para respirar.
"Sim, senhor!" Braxton grita com orgulho.
"Um Chifre-Negro," exclama outro guerreiro, chegando mais perto e passando a mão pelas costas do animal. "Não vejo um desses desde que eu era um menino. Ajudei a matar um desses, uma vez, mas eu estava com um grupo de homens – e dois deles perderam alguns dedos."
"Bem, nós não perdemos nada," Braxton afirma corajosamente. "Só a ponta de uma lança."
Kyra se irrita quando os homens dão risadas, claramente admirados com o feito, enquanto outro guerreiro, seu líder, Anvin, adianta-se e examina atentamente a criatura. Os homens abrem caminho