– Obrigado por me acompanhar todo esse tempo. Eu não sei o que me espera na gruta nem o que acontecerá comigo. A sua contribuição é muito importante para mim. Desde que escalei a montanha, sinto que minha vida mudou. Estou mais tranquilo e convicto do que quero. Eu vou cumprir o segundo desafio.
– Muito bem. Vejo-o daqui a três dias.
Dito isso, a senhora desapareceu mais uma vez. Deixou-me sozinho na quietude do entardecer juntamente com grilos, pernilongos e outros insetos.
O fantasma da montanha
A noite desce sob a montanha. Acendo a fogueira, e o seu crepitar acalma mais o meu coração. Já faz dois dias que subi a montanha, e ela ainda me parece desconhecida. O meu pensamento voa e pousa na minha infância: as brincadeiras, os medos, as tragédias. Lembro-me bem do dia que me vesti de índio: com arco, flecha e tacape. Agora estava numa montanha que era sagrada justamente por ter morrido um indígena misterioso (o pajé da tribo). Eu tenho que pensar em alguma coisa, pois o medo me congela a alma. Barulhos ensurdecedores rodeiam a minha cabana e não tenho ideia de que ou de quem se trata. Como vencer o medo numa ocasião dessas? Responda-me, leitor, pois eu não sei. A montanha é ainda desconhecida para mim.
O barulho se aproxima cada vez mais, e eu não tenho para onde fugir. Sair da cabana é uma temeridade, pois poderei ser devorado por animais ferozes. Eu vou ter de enfrentar seja o que for. O barulho cessa, e uma luz surge. Ela me deixa com mais medo ainda. Com um ímpeto de coragem, exclamo:
– Quem é, em nome de Deus?
Uma voz, fanhosa e obscura, responde:
– Sou o bravo guerreiro a quem a gruta do desespero destruiu. Desista de seu sonho, ou terá o mesmo fim. Eu era um pequeno indígena duma aldeia da nação xukuru. Ambicionava ser chefe supremo da minha tribo e ser mais forte que o leão. Então procurei a montanha sagrada para realizar meus objetivos. Venci os três desafios que a guardiã da montanha me impôs. Porém, ao entrar na gruta, fui devorado pelo seu fogo, que estraçalhou meu coração e meus objetivos. Hoje meu espírito sofre e está preso irremediavelmente a essa montanha. Escute-me, ou você terá o mesmo fim.
A minha voz congelou em minha garganta e por instantes não pude responder ao espírito atormentado. Tinha deixado para trás abrigo, alimento, um calor familiar. Eu estava a dois desafios da gruta. A gruta que poderia tornar a impossível realidade. Eu não desistiria facilmente do meu sonho.
– Escute-me, você, bravo guerreiro. A gruta não realiza sonhos mesquinhos. Se estou aqui, é por um motivo nobre. Eu não ambiciono bens materiais. O meu sonho vai além disso. Quero realizar-me profissional e espiritualmente. Em suma, quero trabalhar no que gosto, ganhar dinheiro com responsabilidade e contribuir com o meu talento para um universo melhor. Eu não desistirei do meu sonho tão facilmente.
O fantasma retrucou:
– Você conhece a gruta e suas armadilhas? Você não passa de um pobre jovem que desconhece a alta periculosidade do caminho que está traçando. A guardiã é uma charlatã que o está enganando. Ela quer a sua ruína.
A insistência do fantasma me aborreceu. Ele me conhecia, por acaso? Deus, em sua benignidade, não permitiria meu fracasso. Deus e a Virgem Maria estavam efetivamente ao meu lado, sempre. As provas disso foram as várias aparições da Virgem em minha vida. Em Visão de um médium (livro que eu não publiquei), está descrita a cena em que, sentado em um banco de praça, onde pássaros e o vento me agitavam, pensava no mundo e na vida. Repentinamente, não mais que de repente, apareceu a figura de uma mulher que, ao me ver, indagou:
– Acredita em Deus, meu filho? Eu, prontamente, respondi:
– Certamente e com toda a fé.
Instantaneamente, ela colocou a mão na minha cabeça e orou:
– Que o Deus da glória lhe cubra de luz e o deixe repleto de dons.
Dizendo isso, afastou-se e, quando eu percebi, ela não estava mais do meu lado. Simplesmente desapareceu. Foi a primeira aparição da Virgem em minha vida. Outra vez, disfarçou-se de mendiga e aproximou-se de mim pedindo alguns trocados. Ela falou que era agricultora e ainda não estava aposentada. Prontamente, entreguei-lhe algumas moedas que tinha em meu bolso. Ao receber o dinheiro, agradeceu e, quando percebi, havia sumido. Na montanha, naquele momento, eu não tinha a menor dúvida de que Deus me amava e estava ao meu lado. Por conseguinte, respondi ao fantasma com certa rudeza.
– Eu não ouvirei seus conselhos. Eu conheço meus limites e minha fé. Vá embora! Vá assombrar uma casa ou qualquer outro lugar. Deixe-me em paz!
A luz apagou-se, e escutei o barulho de passos afastando- se da cabana. Eu estava livre do fantasma.
O dia D
Passaram-se os três dias que me separavam do segundo desafio. Era uma manhã de sexta-feira, clara, ensolarada e resplandecente. Estava eu contemplando o horizonte dessa manhã, quando a estranha senhora se aproximou.
– Está preparado? Procure um fato inusitado na mata e aja conforme seus princípios. É o seu segundo teste.
– Está bem. Há três dias espero por esse momento. Acredito que estou preparado.
Apressadamente, dirigi-me à trilha mais próxima que dava acesso à mata. Os meus passos seguiam uma cadência quase musical. Em que consistia realmente esse segundo desafio? A ansiedade tomou conta de mim, e meus passos aceleraram em busca do objetivo desconhecido. Logo à frente, surgiu a mesma clareira em que a trilha se desfazia e bifurcava-se. Quando cheguei lá, para minha surpresa, a bifurcação não existia mais, e pude visualizar a seguinte cena: um menino, arrastado por um adulto, chorava muito. A emoção tomou conta de mim diante da injustiça e por isso bradei:
– Solte o menino! Ele é menor do que você e não pode se defender.
– Não solto! Estou o maltratando porque ele não quer trabalhar.
– Bruto! Meninos não devem trabalhar. Eles devem estudar e ser bem-educados. Solte-o!
– Quem vai me obrigar? Você?
Eu sou totalmente contra a violência, mas nesse momento o meu coração me pediu para reagir ante esse canalha. O menino devia ser solto. Com delicadeza, afastei o menino