A manhã estava invernal e turva, não enevoada, mas escureceu com a sombra da nuvem ou neve que impregna tudo num crepúsculo verde ou cobre. A luz que existe em tal dia não parece vir dos céus claros mas de uma fosforescência apegada às próprias formas. A carga do céu e das nuvens é como uma carga de água, e os homens movem-se como peixes, sentindo que eles estão no fundo de um mar. Tudo numa rua de Londres completa a fantasia, as carruagens e táxis lembram criaturas da profundeza com olhos de fogo. Ele ficou assustado inicialmente ao encontrar dois dragões. Agora descobriu que estava entre dragões marinhos que possuem o fundo do mar.
Os dois jovens que estavam na frente eram, como o pequeno, bem vestidos. As linhas de seus casacos e chapéus de seda tinham a luxuriante severidade que torna o almofadinha moderno, horrível como ele é, num exercício favorito do desenhista moderno: esse elemento que o Sr. Max Beerbohm admiravelmente expressa em falar de “certas harmonias entre o roupas escuras e a perfeição rígida do linho”.
Eles andavam com a marcha de uma lesma afetada, e falaram em largos intervalos, soltando uma frase a cada seis postes.
Eles passavam pelos postes de luz, sua fisionomia tão inabalável que numa descrição fantasiosa quase se poderia dizer que os postes de luz passavam pelos homens, como em um sonho. Então o homem pequeno, de repente correu atrás deles e disse:
– Quero cortar meu cabelo. Sabe de alguma pequena loja em qualquer lugar onde cortam seu cabelo propriamente? Continuo a cortá-lo, mas sempre volta a crescer novamente.
Um dos homens altos o olhou com o ar de um naturalista aflito.
– Ora, aqui é um lugar – gritou o pequeno homem, com uma espécie de alegria imbecil, quando a janela brilhante abaulada de um elegante salão de cabeleireiro brilhou abruptamente no nevoento crepúsculo.
– Sabe, frequentemente encontro cabeleireiros quando ando por Londres. Vou almoçar com vocês em Cicconani. Sabe, sou um grande apreciador de cabeleireiros. São muito melhores do que os desagradáveis açougueiros – e desapareceu pela porta.
O homem chamado James continuou a olhar, com um monóculo encaixado no olho.
– Que diabo fazemos desse sujeito? – perguntou ao seu companheiro, um jovem pálido com um nariz elevado.
O jovem pálido refletiu conscientemente por alguns minutos, e então disse:
– Acho que bateu na cabeça quando era criança.
– Não, não acho que é isso – respondeu o honorável James Barker. – Às vezes imaginava que ele era uma espécie de artista, Lambert.
– Bobagem! – gritou o Sr. Lambert, brevemente.
– Admito que não sei que julgamento fazer dele – retomou Barker, distraído. – Ele nunca abre a boca sem dizer algo tão indescritivelmente imbecil que chamá-lo de bobo parece a mais fraca tentativa de caracterização. Mas há outra coisa que é um pouco engraçada. Sabe que ele tem a maior coleção de laca japonesa da Europa? Já viu os seus livros? Todos os poetas gregos, medievais franceses e esse tipo de coisa. Já esteve em seus quartos? É como estar dentro de uma ametista. E ele move tudo e fala como… como um nabo.
– Bem, dane-se todos os livros. Os seus almanaques também – disse o ingênuo Sr. Lambert, com uma simplicidade amigável. – Você deve entender dessas coisas. O que você acha dele?
– Está acima da minha capacidade – retornou Barker. – Mas como você perguntou a minha opinião, digo que ele é um homem com gosto pelo absurdo, nonsense, como eles chamam, brincadeiras artísticas, e todo esse tipo de coisa. Acredito seriamente que já falou tantas bobagens que confundiu a própria mente e não sabe a diferença entre a sanidade e a insanidade. Foi dar uma volta no mundo mental, por assim dizer, e encontrou o lugar onde o Oriente e o Ocidente são um, e onde extrema idiotice é tão boa quanto a razão. Mas não posso explicar esses mecanismos psicológicos.
– Você não pode explicá-los para mim – respondeu o Sr. Wilfrid Lambert, com candura.
Enquanto passavam as longas ruas para seu restaurante, o crepúsculo de cor de cobre mudou lentamente para um amarelo pálido, e pelo tempo que chegaram estava discernível uma tolerável luz invernal. O honorável James Barker, um dos funcionários mais poderosos do Governo Inglês (por esta altura rigorosamente um funcionário), era um homem jovem magro e elegante, com um rosto branco bonito e tristes olhos azuis. Ele tinha uma grande quantidade de capacidade intelectual, do tipo peculiar que leva um homem de trono a trono até deixá-lo morrer carregado de honras sem ter nunca entretido ou iluminado a mente de ninguém. Wilfrid Lambert, o jovem com o nariz que parecia empobrecer o resto do rosto, também pouco contribuía para o alargamento do espírito humano, mas ele tinha a honrosa desculpa de ser um tolo.
Lambert poderia ser chamado de tolo; Barker, com toda sua esperteza, poderia ser chamado de estúpido. Mas mera burrice e estupidez afundavam na insignificância, na presença dos terríveis e misteriosos tesouros da loucura aparentemente armazenados na pequena figura que estava esperando por eles fora da Cicconani. O pequeno homem, cujo nome era Auberon Quin, tinha uma aparência composta de um bebê e uma coruja. Sua cabeça redonda, olhos redondos, parecia ter sido desenhado pela natureza brincando com um par de compassos. Seu escuro cabelo liso e a absurdamente longa sobrecasaca davam-lhe algo do olhar de um Noé criança. Quando ele entrava na sala de desconhecidos, confundiam-no com um menino pequeno, e queriam colocá-lo de joelhos, até que ele falasse, quando percebiam que um menino seria mais inteligente.
– Tenho esperado muito tempo – disse Quin, suavemente. – É muito engraçado finalmente vê-los subindo a rua.
Lambert olhou fixamente e perguntou:
– Por quê? Você nos disse para vir aqui mesmo.
– Minha mãe costumava dizer às pessoas para vir a lugares – disse o sábio.
Eles estavam prestes a entrar no restaurante com um ar resignado, quando seus olhos foram apanhados por algo na rua. O tempo, embora branco e frio, estava agora bastante claro, e no marrom maçante do pavimento de madeira e entre os terraços de cinza fosco estava se movendo algo que não podia ser visto nos arredores por milhas – que não podia ser visto, talvez, em toda Inglaterra – um homem vestido em cores brilhantes. Uma pequena multidão aglomerou-se ao redor.
Era um homem alto e imponente, vestido com um uniforme militar verde brilhante, salpicado com grandes revestimentos de prata. A partir do ombro balançava um manto verde de pelo curto, um pouco como a de um hussardo, o revestimento brilhava constantemente numa espécie de carmesim fulvo. Seu peito brilhava com medalhas; em volta do pescoço estava a fita vermelha e a estrela de alguma ordem estrangeira, e uma espada longa e reta, com uma empunhadura flamejante, que era arrastada e ecoava ao longo do pavimento. Nesta época, o pacífico e utilitário desenvolvimento da Europa tinha relegado todos os trajes como este para os museus. A única força restante, a pequena mas bem organizada polícia, se vestia de forma sombria e higiênica. Mas mesmo aqueles que se lembravam dos últimos guardas e lanceiros que desapareceram em 1912 devem ter reconhecido num relance que este não era, e nunca tinha sido, um uniforme inglês. E esta convicção teria sido aumentada pelo rosto aquilino amarelo, como de um Dante esculpido em bronze, que surgia, coroada de cabelos brancos, do colarinho verde militar. Era um rosto vivo e distinto, mas não um rosto inglês.
A grandiosidade com que o cavalheiro vestido de verde caminhou até o centro da estrada é difícil de expressar na linguagem humana. Pois, foi com uma simplicidade e arrogância enraizada, algo no mero mover da cabeça e do corpo, que fez os modernos comuns na rua olhar atrás dele, mas isto teve relativamente pouco a ver com gestos ou expressões realmente conscientes. Em matéria desses movimentos apenas temporários, o homem parecia estar bastante preocupado e curioso, mas estava curioso com a curiosidade de um déspota, e preocupado como que com as responsabilidades de um deus. Os homens que descansavam e perguntavam-se dele o seguiam com espanto pelo seu uniforme brilhante, em parte por causa desse instinto que nos faz seguir qualquer um que parece um louco,