Tomei o commando da tropa que hia na rectaguarda afim de sustentar esta retirada o mais vigorosamente que fosse possivel.
Havia entre nós e o Cerro uma especie de riacho que se chamava a Boyada. Era necessario atravessal-o com lama até ao ventre.
Afim de estabelecer desordem na passagem o inimigo havia estabelecido n'um monticulo uma bateria de quatro peças que abriram o fogo quando começamos a passagem. Mas a legião italiana cada vez mais aguerrida despresou essa chuva de metralha como se fosse chuva ordinaria.
Foi então que tive occasião de observar que os nossos negros eram tambem valentes soldados. Faziam-se matar, esperando o inimigo com um joelho em terra. Estava no meio d'elles por isso podia ver como elles se conduziam. O combate durou seis horas.
Ao serviço de Montevideo estava um inglez, que tinha carta branca de Pacheco para fazer tudo quanto julgasse util a favor da nossa causa. Havia reunido quarenta ou cincoenta homens. Chamavam-lhe Samuel; não sei se tinha outro nome.
Nunca conheci homem tão bravo como elle.
Depois da passagem da Boyada vi-o chegar só com a sua ordenança.
– Samuel, lhe disse eu, onde está a teu regimento?
– Regimento, gritou elle, sentido!
Ninguem appareceu, ninguem respondeu. Todos haviam perecido no combate Em uma ordem do dia do general Paz, fizeram-se grandes elogios á legião italiana, setenta homens haviam ficado fóra do combate.
Entramos em Montevideo pelo Cerro.
Samuel commeçou immediatamente a reformar o seu regimento.
V
A LEGIÃO ITALIANA RECUSA AS TERRAS
QUE LHE SÃO OFFERECIDAS
A 30 de janeiro de 1845, o general Rivera maravilhado pela conducta da legião italiana no combate de Cerro e na passagem da Boyada escreveu-me a seguinte carta:
«Senhor:
«Quando, no anno passado, dei á legião franceza uma certa quantidade de terras, esperava que o acaso conduzisse ao meu quartel general algum official da legião italiana, dando-me assim occasião de satisfazer um ardente desejo do meu coração, mostrando á legião italiana a estima que lhe consagro pelos importantes serviços prestados á republica na guerra que sustentamos contra o exercito invasor de Buenos Ayres.
«Para não demorar por mais tempo o que considero como o comprimento de um dever sagrado, incluo n'esta, um acto de doação que faço á illustre e valorosa legião italiana, como uma prova sincera do meu reconhecimento pessoal pelos eminentes serviços prestados ao meu paiz.
«A offerta não é egual aos serviços, nem aos meus desejos, e comtudo ouso esperar que não recusareis offerecel-a em meu nome aos vossos camaradas, informando-os da minha boa vontade e do meu reconhecimento.
«Aproveito esta occasião, coronel, para vos assegurar a minha perfeita consideração e profunda estima.
O que ha de mais importante n'esta carta é que este excellente patriota nos fazia este presente da sua propria fortuna, porque as terras que nos offerecia eram do seu patrimonio.
A 23 de maio seguinte, epocha em que me foi entregue a sua carta, dirigi-lhe a seguinte resposta:
«Excellentissimo senhor:
«O coronel Parrodi, me entregou deante de todos os officiaes da legião italiana, segundo o vosso desejo, a carta que tiveste a bondade de me escrever com data de 30 de janeiro, e juntamente com ella um acto pelo qual fazieis espontanea doação á legião italiana d'uma porção de terreno, das vossas propriedades, existentes entre o Arroyo das Avenas e o Arroyo Grande, ao norte do Rio Negro, e d'uma manada de bois, e de todas as fazendas alli existentes.
«Dizeis na vossa carta que este presente nos é feito como remuneração dos nossos serviços á republica.
«Os officiaes italianos depois de terem tomado conhecimento da vossa carta declararam unanimemente, em nome da legião italiana que elles offerecendo os seus serviços á republica não queriam receber senão a honra de partilhar os perigos que correm os naturaes do paiz que lhe deram hospitalidade. Obrando d'este modo obedecem á sua consciencia. Tendo satisfeito ao que elles olham como o simples comprimento d'um dever, continuarão, tanto quanto as necessidades do cerco o exigirem, a partilhar os perigos dos nobres Montevidianos, não acceitando outra recompensa do seu trabalho.
«Tenho pois a honra de lhe communicar a resposta da legião, com a qual os meus principios e sentimentos concordam completamente. Por isso vos envio o original da doação.
Os italianos continuaram a servir sem retribuição alguma, e o meio que tinham para alcançar algum dinheiro quando tinham necessidade de renovar alguma parte do vestuario, era o de ir servir algum negociante francez, que pagava aos substitutos quasi dous francos.
Sempre será bom dizer que, se entretanto havia algum combate o substituto battia-se como um leão, fazendo-se muitas vezes matar pelo proprietario do logar.
VI
EXILIO DE RIVERA
Já disse qual era o plano do general Paz quando sahimos de noite de Montevideo.
Este plano se vingasse mudava a face dos negocios e fazia segundo todas as probabilidades levantar o cerco a Oribe, mas tendo falhado completamente este plano, voltamos a occupar o nosso posto ordinario, isto é aos postos avançados que de um e outro lado, se fortificavam cada vez mais, até que nós tivessemos do nosso lado uma linha de bateria que correspondesse ás baterias do inimigo.
Foi por esta occasião que o general Paz partiu, para dirigir a insurreição da provincia de Corrientes, coadjuvando assim a causa nacional, e dividindo as forças do general Urquiza que então fazia frente ao general Rivera.
Infelizmente todos estes projectos não tiveram o exito que se esperava por causa da impaciencia do general Rivera, que sem se importar com as ordens do governo, que lhe prohibiam o acceitar uma batalha decisiva, acceitou essa batalha, perdendo-a nos campos da India Morta.
O nosso exercito foi batido. Dois mil prisioneiros, e talvez mais, foram estrangulados, contra todas as leis da humanidade e da guerra.
Muitos ficaram no campo da batalha, outros foram dispersos pelas immensas planicies. O general Rivera com alguns dos seus alcançou a fronteira do Brazil e foi como causa d'este immenso desastre exilado pelo governo.
Perdida a batalha da India Morta, Montevideo ficou entregue aos seus proprios recursos. O coronel Corrêa tomou o commando da guarnição. Comtudo o cuidado particular da defeza ficou incumbido a Pacheco e a mim. Alguns dos nossos chefes depois d'esta deploravel batalha conseguiram reunir diversos destacamentos dos soldados dispersos e fizeram com elles a guerra de guerrilhas onde o terreno a isso se prestava.
O general Llanos reuniu duzentos homens e preferindo juntar-se aos defensores de Montevideo, lançou-se sobre o inimigo que vigiava o Cerro e abrindo caminho alcançou o forte.
Pacheco recebendo este pequeno reforço teve a idéa de dar um golpe de mão.
A 27 de maio de 1845 embarcámos em Montevideo, durante a noite, a legião italiana e algumas outras forças tiradas do Cerro, e com este pequeno corpo fomo-nos embuscar n'um velho paiol que se achava abandonado.
Na manhã de 28 a cavallaria do general Llanos sahiu, protegida pela infanteria, e attrahiu o inimigo do lado do paiol e quando elle se achava a pequena distancia, os nossos soldados sahiram com a legião italiana á frente e carregando á bayoneta cobriram o terreno de cadaveres.
Então toda a divisão em observação no Cerro se apresentou no campo, e travou-se um mortifero combate que se decidiu em nosso favor.
O inimigo foi posto em completa derrota e perseguido á bayoneta, sendo necessario que viesse repentinamente uma horrivel tempestade para finalisar esta carnificina.
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