Dom Fuas: Basta que são essas! Por isso elas cobriram o rosto.
Semicúpio: isso tem elas, que não são descaradas; antes são tão sisudas, que nunca encararam para ninguém.
Dom Gilvaz: uma delas sei eu, que se chama Dona Clóris.
Semicúpio: e a outra Dona Nize, isso sabia eu há muito tempo.
Dom Fuas: e como saberei eu, qual delas é a da Manjerona?
Semicúpio: isso é fácil, em sabendo-se qual é a do Alecrim, logo se sabe qual é a da Manjerona.
Dom Fuas: grande sutileza! Vamos Dom Gil.
Semicúpio: já que se vão, advirtam de caminho, que segundo as notícias, que tenho, bem podem desistir da empresa; porque o velho é tão cioso das sobrinhas como do dinheiro; a casa é um recolhimento; as portas de bronze; as janelas de encerado; as frestas são óculos de ver ao longe, que nem ao perto se vêem; as trapeiras são zimbórios tão altos, que nem as nuvens lhe passam por alto; as paredes do jardim são mestras, e as chaves das portas discípulas, porque ainda não sabem abrir, ma só um bem há, e é, que tendo tudo tão forte, só o telhado é de vidro. Com que, senhores meus, outro oficio, contentem-se com cheirar a sua Manjerona e o seu Alecrim; que amor que entra pelo nariz, não é bem que chegue ao coração.
Dom Gilvaz: Semicúpio, não temo impossíveis, tendo da minha parte a tua indústria, que espero de ti apures toda a força de teu engenho para os combates dessa muralha.
Semicúpio: Ah! Senhor Dom Gilvaz, o meu Aríete já se acha mui cansado com tanto vaivém, pois nem todo o artifício de minhas máquinas pode abrir brecha nessa diamantina bolsa, que tão cerrada se dificulta aos meus merecimentos.
Dom Gilvaz: Semicúpio amigo, tem ânimo, que se montamos a burra de Dom Lancerote, saltaremos de contentes.
Semicúpio: tal é a minha desgraça e a sua miséria, que ainda com esta burra me dá dois coices.
Dom Gilvaz: Dom Fuas, ficai-vos embora, que me vou armar de esperanças, para que nos combates de amor triunfe o Alecrim.
Dom Fuas: D. Gil, vamos a forro, e a partido pois que Semicúpio é tão destro na matéria.
Dom Gilvaz: por ora não pode ainda ser; deixai-me primeiro tentar o vau, que vós também navegareis no mar de Cupido.
Dom Fuas: isso não merece a nossa amizade.
Dom Gilvaz: se vós sois do rancho da Manjerona, já me podereis conhecer por inimigo declarado, seguindo eu a parcialidade do Alecrim; e como nas guerras destas plantas havemos os dois ser contrários, mal poderei socorrer-vos; e assim, ficai-vos embora, Dom Fuas, e viva o Alecrim. (vai-se)
Semicúpio: e viva o malmequer. (vai-se)
Dom Fuas: viverá a Manjerona apesar do mais intensivo ardor de opostos Planetas.
(Entram Fagundes com manto e capelo)
Fagundes: e bom sumiço! Aonde estarão estas meninas, que há mais de quatro horas que foram à Missa, e ainda não há fumo delas? Meu senhor, vossa mercê acaso veria por aqui duas mulheres com uma criada?
Dom Fuas: Que sinais tinham?
Fagundes: Tinha uma delas uns sinais pretos no rosto, e a outra uns sinais de bexigas.
Dom Fuas: E que mais?
Fagundes: Uma delas tem os olhos verdes, cor de pimentão, que não está maduro, e a outra olhos pardos, com raiz de oliveira; uma tem cova na barba, e a outra barba na cova, uma tem espinhela caída, e a outra um leicenço num braço.
Dom Fuas: Com esses sinais, nunca vi mulher nesta vida.
Fagundes: Meu senhor, uma delas trazia um ramo de Alecrim no peito, e a outra de Manjerona.
Dom Fuas: Vi muito bem, que são as sobrinhas de Dom Lancerote.
Fagundes: Essas mesmas são: ora diga-me, aonde as viu?
Dom Fuas: Promete vossa mercê fazer-me quanto lhe eu pedir?
Fagundes: Ai, que coisa me pedirá vossa mercê, que lhe não faça, dizendo-me aonde estão as minhas meninas?
Dom Fuas: Pois descanse, que elas aqui estiveram, e agora foram para casa.
Fagundes: Ai, boas novas tenha.
Dom Fuas: Ora, pois, em alvíssaras desta boa nova quero me diga como se chama…
Fagundes: Eu? Ambrósia Fagundes, para servir a vossa mercê.
Dom Fuas: Digo, como se chama a que trazia a Manjerona no peito?
Fagundes: Chama-se Dona Nize.
Dom Fuas: Pois, Senhora Ambrósia Fagundes, saiba que eu adoro tão excessivamente a Dona Nize, que me prêmio do meu extremo me franqueou este ramo de Manjerona.
Fagundes: É verdade, que pelo cheiro o conheço, que é o mesmo.
Dom Fuas: E como me dizem os impossíveis, que há de a poder comunicar, quisera dever-lhe a galantaria de ser minha protetora nesta amorosa pretensão; e fie de mim, que o premio há de ser igual ao meu desejo.
Fagundes: Meu senhor, difícil empresa toma vossa mercê; porque além da excessiva cautela do tio, que nisto não se fala, uma delas está para casar com um primo, que hoje se espera de fora da terra, e a outra qualquer dia vai a ser freira; com que, meu senhor, desengane-se, que ali não há que arranhar.
Dom Fuas: E qual delas é a que casa?
Fagundes: Ainda se não sabe; porque o noivo vem à escolha daquela que lhe mais agradar.
Dom Fuas: Como o vencer impossíveis é próprio de um verdadeiro amante, nós havemos intentar esta empresa, saia o que sair; que a diligência é mãe de boa ventura: favoreça-me vossa mercê, Senhora Fagundes, com o seu voto, que eu terei bom despacho no tribunal de Cupido; tenho dinheiro e resolução, e tendo a vossa mercê da minha parte, certo tenho o triunfo da Manjerona.
Fagundes: Pois por mim não se desmanche a festa, que eu não sou desmancha-prazeres; esta noite o espero debaixo da janela do cozinha; sabe onde é?
Dom Fuas: Bem sei.
Fagundes: Pois espere-me aí, que eu lhe direi o que há na matéria.
Dom Fuas: Deixe-me beijar-lhe os pés, ó insigne Fagundes, feliz corretora de Cupido.
Fagundes: Ai! Levante-se, senhor, não me beije os pés, que os tenho agora mui suados e um tanto fétidos; descanse, senhor, que Dona Nize há de ser sua apesar das cautelas do tio, e das carícias do noivo.
Dom Fuas: Se tal consigo, não tenho mais que desejar.
Canta Dom Fuás a seguinte
Se chego a vencer
De Nize o rigor,
De gosto morrer
Você me verá.
Porém se um favor
Alenta o viver,
Quem morre de amor
Mais vida terá. (vai-se)
Fagundes: Estes homens, tanto que são amantes, logo são músicos; e eu neste entendo terei boa melgueira; e mais eu que sou abelha mestra, que hei de chupar o mel da Manjerona, e