A MORTA
Sala de entrada nos paços de apar S. Martinho, em Lisboa. À direita, aposentos de el-rei. À esquerda, galeria com uma enfiada de portas, sendo a primeira a do aposento do corregedor Lourenço Gonçalves. Ao fundo, porta principal de entrada, dando sobre outra galeria, cujas janelas deitam para os lados do Tejo. – A cena começa de dia, devendo anoitecer durante o acto, conforme as indicações das rubricas e do diálogo.
CENA I
Estêvão Lobato, em cena;
Lourenço Gonçalves, saindo dos aposentos de el-rei
Lourenço
Catarina onde está?
Estêvão
Nos vossos aposentos.
Vi-a com sua mãe, inda há poucos momentos,
Entrando para ali.
Lourenço
Valha-me Deus! A mãe,
Não a esperava já. Bem sei para o que vem.
Suspirando.
Querem roubar-me a esposa, Estêvão!
Estêvão
Quê? roubá-la?
Lourenço
Por uns dias somente! Embora! não me cala
No espírito o projecto. Inda estou noivo…
Estêvão
Sim?
Lourenço
Há dois anos casado apenas…
Estêvão
Quanto a mim,
O noivado de um velho é como a fruta seca;
Não tem viço nem cor, mas dura como a breca.
Lourenço
Mas velho é que eu não sou!
Estêvão
Cantai-me a palinódia!
Na vossa idade o amor é já fruta serôdia.
Por isso quando el-rei, nas fúrias de justiça,
Lança peias no amor, vós ajudais à missa.
É que as peias, a vós, há muito que a bisonha
Natureza as lançou.
Lourenço
Quê?
Estêvão
Sois como a cegonha,
Que não pode comer na escudela da zorra.
Lourenço
Ruim língua tu tens.
Estêvão
Que Deus me não socorra,
Se o que eu digo é mentira.
Lourenço
Acuda Catarina
Em defesa do esposo.
Estêvão
Apenas a fascina
Um bom pano de Arrás, ou qualquer arrebique,
Que o judeu lhe vender…
Lourenço
Pois que não sacrifique
Um só desejo seu! Quero gastar à larga
Para adorná-la! Não! que eu tenho à minha ilharga
A doida mais formosa e mais gentil da corte!
Que a todos enfeitice a graça do seu porte,
E que a minha mulher a todas se avantaje
Na riqueza do adorno e nas pompas do traje!
Estêvão
Se é tal vosso desejo…
Lourenço
E mais que o meu: o dela.
Inda o judeu lá está?
Estêvão faz sinal afirmativo.
Pois se não se acautela,
Arrisca-se a encontrar de noite, pelas ruas,
Um dos meus aguazis que nas espáduas nuas
Lhe ensine c’o tagante o caminho de asa.
Estêvão
O perro bem conhece as ordens. Não se atrasa
Após o sol poente. À custa de uns açoites,
Que uma vez apanhou, soube que são as noites
Nocivas aos judeus, fora da Judiaria.
Lourenço
Mesma para os cristãos: a noite há de ser fria,
E Catarina, embora envolta em terciopelo,
P’ra que há de tiritar, caminho do Restelo?
Estêvão, à parte
Não terá mais calor no leito conjugal!
Lourenço
Co’a fortuna! Inda falta a permissão real!
Se el-rei a recusasse!… Eu, só por min, não tenho
Valor de resistir ao seu veemente empenho.
Конец ознакомительного фрагмента.
Текст предоставлен ООО «ЛитРес».
Прочитайте эту книгу целиком, купив полную легальную версию на ЛитРес.
Безопасно оплатить книгу можно банковской картой Visa, MasterCard, Maestro, со счета мобильного телефона, с платежного терминала, в салоне МТС или Связной, через PayPal, WebMoney, Яндекс.Деньги, QIWI Кошелек, бонусными картами или другим удобным Вам способом.