O pai partira o coração da mãe várias vezes, cada vez que ia para a cama com uma mulher diferente.
Nunca gostara especialmente do rei, mas aquilo piorava tudo. Odiava o pai profunda e irrevogavelmente.
– Traiu a minha mãe constantemente e com toda a tranquilidade – acusou ele, com os punhos cerrados. – Mesmo assim, acha que pode falar do que mais desejava depois de falecer? Atreve-se?
O rei revirou os olhos.
– Estou cansado de te mimar e de te ver a recusar-te a cumprir as tuas obrigações.
– Se está tão interessado na sua linhagem, convido-o a tratar disso, visto que já parecia predisposto a fazê-lo. Vou deixá-lo muito claro, não tenciono fazê-lo.
– Bela surpresa – murmurou o rei. – Eras um pusilânime quando nasceste e sempre serás assim. Até estás disposto a renunciar ao trono.
No entanto, não lhe parecia que estivesse a renunciar ao trono porque nunca o quisera. Não só estava a garantir a liberdade, como também estava a garantir a de qualquer filho que pudesse ter. Estava a certificar-se de que nenhum filho dele seria criado naquele palácio de mentiras.
Além disso, recusava-se a tratar uma mulher como o pai tratara a mãe.
O pai voltou a casar-se com uma mulher mais jovem do que Ares e Ares provocou um escândalo quando não foi ao casamento. O reino estava com problemas e os assessores reais não sabiam o que fazer.
– O trono está manchado! – exclamou sir Bartholomew, o assessor mais veterano, que fora até Nova Iorque porque Ares se recusara a estar onde o pai também estivesse. – O reino perde a força. O seu pai casou-se com a amante e atreve-se a chamar-lhe rainha. Além disso, afirmou que se… acontecer alguma coisa, vai substituí-lo no trono. Não pode consenti-lo, alteza!
– O que posso fazer para o impedir? – perguntou Ares.
Vivia na outra ponta do mundo, passava o tempo a dedicar-se às suas obrigações reais, a gerir a organização de beneficência que criara com o nome da mãe e a desfrutar da vida o melhor que podia. A imprensa sensacionalista adorava-o. Quando mais odiavam o seu pai, mais adoravam a pessoa que fora considerada defeituosa quando era jovem.
Não tinha a mínima intenção de participar na corte do pai ou de jogar esse jogo da realeza.
– Tem de voltar para Atilia – declarou sir Bartholomew, na suíte do hotel que Ares considerava a sua casa em Manhattan. – Tem de se casar e constituir uma família imediatamente. O povo considera-se preso às suas decisões terríveis porque o seu pai não para de lhe chamar o príncipe playboy. Se voltasse e demonstrasse…
– Não sou o rei que procuras – interrompeu Ares, com delicadeza, embora o idoso empalidecesse. – Nunca serei um rei assim. Não tenciono fazer com que esta linhagem corrompida perdure mais além da minha vida. Se o meu pai quiser transmiti-la a outros filhos incautos, só poderei dar-lhes as minhas condolências quando forem maiores de idade.
Pensou na mãe, como fazia muitas vezes, depois de os assessores se terem ido embora. Daria tudo para poder estar um instante com ela para que o aconselhasse com esse sorriso triste e o seu contacto delicado. Conseguia ouvi-la a dizer-lhe que tinha de se casar como se continuasse sentada à frente dele com essa elegância e distinção.
No entanto, não tencionava seguir o mesmo caminho que os pais, morreria primeiro.
O telemóvel tocou no bolso e soube que seria algum convite para uma daquelas festas a que gostava de ir como se fosse um homem normal, não o herdeiro de toda essa dor e sofrimento. Olhou-se ao espelho e, embora odiasse, tinha de reconhecer que essa cara o fazia pensar mais no rei do que na mãe.
Endireitou-se para adotar a posição de que a mãe gostaria, para o caso de conseguir vê-lo. Depois, saiu para se perder na noite de Manhattan.
Capítulo 2
Cinco meses depois
– Grávida?
Pia Alexandrina San Giacomo Combe olhou para Matteo, o irmão mais velho, com toda a falta de paixão que pôde. Ensaiara esse olhar durante alguns meses, mas ainda não sabia se o fazia bem.
– Foi o que disse, Matteo – confirmou ela, tentando parecer imperturbável, como também ensaiara.
– Não podes estar a falar a sério – queixou-se o irmão, com uma expressão de espanto absoluto no rosto.
No entanto, Pia estava à frente da mesa ampla da biblioteca da mansão que pertencia à família do pai desde que aquele antepassado Combe valente abrira caminho entre as fábricas têxteis e a construíra. Pelo menos, era o que ela achava, visto que nunca prestara muita atenção às conversas sobre as histórias grandiosas de ambas as partes da sua família. Os pais sempre tinham adorado falar das suas famílias, como se as suas histórias pugnassem pela supremacia.
Efetivamente, ali estava, à frente do irmão, com um vestido mais apertado do que teria gostado e que a incomodou mais ainda quando o olhar de incredulidade de Matteo se fixou na sua barriga. Um vestido preto por causa do luto rigoroso que cumpria há seis semanas, desde que a mãe morrera, e que não conseguia disfarçar o vulto leve da barriga.
Não podia mudar aquilo.
A mãe apercebera-se, uma semana antes da sua morte, de que Pia estava a ficar… gordinha e Pia sabia há muitíssimo tempo o que tinha de fazer para evitar a língua afiada da mãe. A mãe vira imediatamente que aumentara de peso, como via quando a filha era uma jovem tímida e com a cara redonda.
– Só as pobres sem perspetivas são gordas.
A lendária Alexandrina San Giacomo dissera aquilo à filha abatida de doze anos sem alterar a expressão, o que piorara tudo.
– És uma San Giacomo e os San Giacomo não têm bochechas. Aconselho-te a largar os doces.
Depois, Pia tentara por todos os meios evitar os desprezos da mãe, já que nunca poderia estar à altura dos seus critérios de beleza e elegância naturais.
Estivera de dieta durante toda a adolescência, mas as bochechas tinham-se mantido obstinadamente no seu lugar. Até, uma manhã, com vinte e dois anos, acordar e terem desaparecido.
Pouco depois, e infelizmente, fizera a viagem fatídica a Nova Iorque e Pia não sabia porque a mãe fizera aquilo.
Não podia afirmar categoricamente que fora porque descobrira que a filha solteira estava grávida e prestes a protagonizar um escândalo dos que a mãe achava que eram exclusivos dela. Não passara a infância a pôr-lhe na cabeça que tinha de andar direita, que tinha de ser incomparável e permanecer sem máculas? Tinha de ser, acima de tudo, a Branca de Neve, tinha de ser pura como a neve virgem ou ela, Alexandrina, saberia o motivo.
A verdade era que Alexandrina não gostara do motivo.
Não podia garantir que a mãe a mimara mais do que o habitual, como fizera e com esse resultado trágico, por causa da notícia de já não ser virgem e, além disso, de estar grávida de um desconhecido que não sabia como se chamava. No entanto, também não podia garantir que não fora o motivo.
Seis semanas depois, Alexandrina morrera e deixara a pequena família desolada, assim como a sua legião imensa de admiradores. Então, há três dias, o pai, o insolente e incombustível Eddie Combe, que ela considerava imortal, sofrera um ataque de coração e morrera nessa mesma noite… e ela já tinha a certeza. Fora tudo por causa dela.
– Falas a sério – comentou Matteo, num tom sombrio.
Tentou