No entanto, ele tinha algo diferente, ele era… mais. Era algo relacionado com o brilho do seu cabelo escuro e a firmeza do seu queixo, era o seu nariz aristocrático e esses olhos cinzentos como uma tempestade, era essa segurança em si próprio que cobria como um manto o seu corpo alto, magro e atlético e que deixava muito claro que cedia a ela, a essa avaliação que o seu próprio conselho de administração exigira, porque ele queria, pois não havia nada no mundo que pudesse obrigá-lo a fazer uma coisa que não queria fazer. Fazia-a pensar num rio poderoso que rugia por cima de uma colina. Era enorme, imparável… e perigoso, sussurrou-lhe algo por dentro.
Sarina desprezou-o assim que a palavra se formou na sua cabeça. Efetivamente, era bonito, austero e exuberante ao mesmo tempo, era bonito e rico, asquerosamente rico. Um dos ramos da sua família estava enraizado na indústria de Yorkshire e, o outro, remontava ao Renascimento italiano, mais ou menos, quando se construíra essa casa em concreto.
Entendia perfeitamente porque quisera que aquela primeira reunião fosse ali, no conto de fadas tornado realidade que era Veneza. Queria que ela se inundasse nessa cidade de palácios antigos e história que era como uma tapeçaria resplandecente onde a família era um fio de ouro, onde ela ficaria boquiaberta com o seu esplendor e riqueza… embora ela não fosse das que ficavam boquiabertas e Matteo Combe não sabia onde se metera.
Não só odiava os homens como ele, como também os conhecia. Sabia do que eram capazes e chegara a ter alergia a essa forma de arrogância. A sua amiga de infância, que considerara uma irmã, tornara-se viciada nos homens como Matteo. Seguros de si próprio sem reparos, apoiados pela história e por todo o dinheiro que lhes chegara ao longo dos séculos e tidos em conta por qualquer pessoa que se cruzasse no seu caminho todos os dias das suas vidas.
Efetivamente, sabia tudo sobre os homens como ele.
Não precisava de o destruir, mas os homens como Matteo pareciam-lhe uns balões enormes e muito inchados e ela decidiu ser uma agulha bem afiada. Passara muito tempo a rebentar egos masculinos desmesurados na sua profissão e tinha uma certa reputação de conseguir dominar os mestres do universo e de mostrar os mortais de moralidade mais do que duvidosa que costumava haver por baixo de tanta fanfarronice.
Alguns dos homens que analisava também eram íntegros e, face à ausência de infrações ou condutas inapropriadas, adorava fazer um relatório impecável do homem em questão. Não odiava os homens, como muitas pessoas a acusavam, odiava os homens que abusavam do poder e das pessoas vulneráveis a esse poder.
Tinha a certeza de que Jeannette, estivesse onde estivesse, estava a olhar para ela e a apoiá-la…
E como explicar que esse homem rico e arrogante já tivesse conseguido abrir caminho para as suas entranhas como nenhum outro fizera com essa certeza, sombria e reflexiva, que exsudava como um perfume irresistível?
Isso ficava nas conversas privadas que mantinha dentro da cabeça e que não tencionava permitir que ele soubesse.
– Quer que tenha remorsos.
Matteo estava sentado numa poltrona que, embora não soubesse nada de antiguidades, Sarina sabia que era linda e de um valor incalculável. Era o mais parecido com um rei.
– Se não conseguir tê-los, quererá dizer que chumbei no exame?
– Não se trata de chumbar ou passar – corrigiu ela, enquanto anotava alguma coisa para que se sentisse incomodado. – Parece-lhe enervante?
– Que o meu futuro esteja nas mãos de alguém que não consegue responder a uma pergunta direta? – perguntou ele, com um brilho nos olhos cinzentos. – Nem pensar.
Não esperara que fosse tão irónico. E nem todas as fotografias do mundo, e Sarina estava convencida de que as vira todas só para o investigar, faziam justiça a essa intensidade que era Matteo Combe, a esse cabelo denso e quase preto que parecia indisciplinado, a esse olhar cinzento como a ardósia que fazia com que ela não só pensasse na chuva, mas, o que era mais grave, em dançar por baixo dela. Mesmo quando sabia melhor do que bem que isso levava à loucura e a coisas piores do que uma pequena loucura.
Normalmente, usava fatos muito caros e feitos à medida ou outra roupa formal que lhe permitisse impressionar e avassalar os outros. Naquele dia, no entanto, recebera-a com o que ela supunha que fosse roupa informal. Usava umas calças de ganga desfiadas que deviam ser muito caras porque, evidentemente, as comprara assim. Os homens como ele não faziam nada que pudesse desgastar-lhe os joelhos ou rasgar-lhe o tecido. Estava muito claro que as botas tinham sido feitas à mão ali mesmo, em Itália, e a sua t-shirt parecia-se tanto com as t-shirts de algodão que o comum dos mortais usava como um caça-bombardeiros se parecia com um avião de papel… e, o pior de tudo, ajustava-se ao peito e permitia-lhe saber coisas que não queria saber sobre a forma física incrível de Matteo.
Já sabia. Sabia que gostava de correr quilómetros e quilómetros, sabia que gostava de nadar distâncias épicas e sabia que o tempo e a energia restantes eram dedicados a levantar pesos. Já lera tudo isso, mas uma coisa era lê-lo no quarto de um hotel e, outra muito diferente, era estar à frente de um homem que gastava toda a força que podia, até a física.
No entanto, ela estava ali para avaliar o seu estado mental, não para se babar quando via como os braços ficavam tensos por baixo da manga da t-shirt. Franziu um pouco o sobrolho e voltou a concentrar-se nele.
– Se se empenhar, esta relação só será… antagonista.
– É uma relação antagonista por definição – replicou ele, com uma delicadeza que não se refletiu no seu olhar. – Suponho que saiba.
– Mas desfruta do antagonismo nas relações, não é?
Ele riu-se como se o tivesse surpreendido.
– Não diria que gosto do antagonismo, mas, na minha família, era quase inevitável.
– No entanto, contou-me que ama muito a sua irmã. Acha que o amor é uma forma de antagonismo?
– Evidentemente, a sua família é muito diferente da minha. Se não, já saberia a resposta a isso.
Sarina sabia quase tudo sobre a sua família, como qualquer pessoa no mundo civilizado, porque os dois ramos dessa família tinham ocupado os artigos da imprensa sensacionalista durante muito tempo. Embora ela não a lesse, era impossível não saber alguma coisa. O pai de Matteo aparecia periodicamente nesses artigos por supostas indiscrições matrimoniais ou empresariais. A mãe fora considerada a mulher mais bonita do planeta enquanto fora viva e estivera acompanhada pelos correspondentes escândalos e especulações.
A irmã e ele estavam muito unidos ou tão unidos como podiam ser com uma diferença de dez anos, o que lhe dera o papel de pai suplente, mais do que de irmão.
Ela, pelo contrário, fora criada por uns cientistas frios mais interessados nas suas investigações e nos seus conflitos intelectuais banais com os colegas do que na filha que, parecia-lhe, fora mais como uma experiência sobre a humanidade do que fruto do verdadeiro desejo de ser pais e não tinham o mínimo interesse nos escândalos que ela pudesse ter criado pelo caminho.
Também não conseguia imaginar-se a ser criada num lugar como essa casa, por muito bonita que Veneza fosse. Jeannette e ela tinham sido criadas numas casas antigas de Berkeley Hills e tinham entrado e saído de quartos repletos de montes de livros com tapetes desgastados agradáveis, de alpendres enlameados e de jardins descuidados. Essa casa era uma acumulação espetacular de tapeçarias perfeitamente conservadas e de estátuas clássicas de pedra para que ninguém pudesse esquecer-se de que aquilo era o epicentro da riqueza mais ancestral.
Sabia porque a recebera ali, mas o tiro ia sair-lhe pela culatra e não achava que ele soubesse. Graças a isso, já sabia