Romancistas Essenciais - Joaquim Manuel de Macedo. Joaquim Manuel de Macedo. Читать онлайн. Newlib. NEWLIB.NET

Автор: Joaquim Manuel de Macedo
Издательство: Bookwire
Серия: Romancistas Essenciais
Жанр произведения: Языкознание
Год издания: 0
isbn: 9783967245615
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casar!... repetiu d. Clementina.

      — Isto é fácil, disse d. Gabriela; principalmente se devemos dar crédito aos que tanto nos perseguem com finezas. Olhem, eu vejo-me doida!... Mais de vinte me atormentam! Querem saber o que me sucedeu ultimamente?... Eu confesso que me correspondo com cinco... isto é só para ver qual dos cinco quer casar primeiro; pois bem, ontem, uma preta que vende empadas e que se encarrega das minhas cartas recebeu das minhas mãos duas...

      — Logo duas?...

      — Ora, pois, apesar de todas as minhas explicações, a maldita estava de mona: mesmo dizendo-lhe eu dez vezes: a de lacre azul é a do sr. Joãozinho e a de verde é do sr. Juca, sabem o que fez?...trocou as cartas!

      — E o resultado?...

      — Ei-lo aqui, respondeu d. Gabriela, tirando um papel do seio; ao vir embarcar, e quando descia, a tal preta, com a destreza precisa, entregou-me este escrito do sr. Joãozinho: "Ingrata! ainda tremem minhas mãos, pegando no corpo de delito da tua perfïdia! Escreves a outro!? Compareces por tão horrível crime perante o júri do meu coração; e, bem que tenhas nesse tribunal a tua beleza por advogado, o meu ciúme e justo ressentimento, que são os juízes, te condenam às perpétuas galés do desprezo; e só te poderás livrar se apelares dessa sentença para o poder moderador de minha cega paixão."

      — Bravo, d. Gabriela! O sr. Joãozinho é sem dúvida estudante de jurisprudência?

      — Não, é doutor.

      Bem mostra pelo bem que escreve.

      — Mas eu sou bem tola! Conto tudo o que me sucede e ninguém me confia nada!

      — Isso é razoável, disse d. Clementina; nós devemos pagar com gratidão a confiança de d. Gabriela. Eu começo declarando que estou comprometida com o sr. Filipe a deixar esta noite, embaixo da quarta roseira da rua do jardim, que vai direta ao caramanchão, um embrulhozinho com uma madeixa de meus cabelos.

      Que asneira!... Por que lho não entrega ou não lho manda entregar?

      — Ora... eu tenho muita vergonha...antes quero assim; até parece mais romântico.

      — São caprichos de namorados! falou d. Quinquina; havia tempo para isso! Mas, enfim, de futilidades é que o amor se alimenta. Querem ver uma dessas? O meu predileto está de luto e por isso exige que eu vá á festa de... com uma fita preta no cabelo, em sinal de sentimento; exige ainda que eu não valse mais, que não tome sorvetes, para não constipar, que não dê dorninus tecum a moço nenhum que espirrar ao pé de mim, e que jamais me ria quando ele estiver sério; e a tudo isso julga ele ter direito, por ser tenente da Guarda Nacional! Pois, por isso mesmo, ando agora de fita branca no cabelo, valso todas as vezes que posso, tomo sorvetes até não poder mais, dou dominus tecum aos moços mesmo quando não espirram e na() posso ver o sr. tenente Gusmão sério sem soltar uma gargalhada.

      — Olhem lá o diabinho da sonsa! murmurou consigo mesmo Augusto, embaixo da cama.

      — E você, mana, não diz nada?... perguntou ainda a d. Joaninha.

      — Eu?... O que hei de dizer? respondeu esta; digo que ainda não amo.

      — E a única que ama deveras! pensou o estudante, a quem já doíam as cadeiras de tanto agachar-se.

      — E o sr. Fabrício?... E o sr. Fabrício?... exclamaram as três.

      — Pois bem, tornou d. Joaninha, é o único de quem gosto.

      — Mas que temos nós hoje feito nesta ilha?... Que triunfo havemos conseguido?... Vaidade para o lado: moças bonitas, como somos, devemos ter conquistado alguns corações!

      — Juro que estou completamente aturdida com os protestos de eterna paixão do sr. Leopoldo, disse d. Quinquina; mas é uma verdadeira desgraça ser hoje moda ouvir com paciência quanta frivolidade vem, não direi à cabeça, porque parece que os tolos como que não a têm, porém aos lábios de um desenxabido namorado. O tal sr. Leopoldo... não é graça, eu ainda não vi estudante mais desestudável!...

      — Você, d. Joaninha, acudiu d. Clementina, tem-se regalado hoje com o incomparável Fabrício. Não lhe gabo o gosto... só as perninhas que ele tem!...

      — Ora, respondeu aquela; ainda não tive tempo de lhe olhar para as pernas... mas também você parece que não se arrepia muito com a corcova do nariz de meu primo; confessemos, minha amiga, todas nós gostamos de ser conquistadoras.

      — Pois confessamos... isso é verdade.

      — Pela minha parte não diga nada, assobiou d. Gabriela mirando-se no espelho; mas enfim... eu não sei se sou bonita, mas, onde quer que eu esteja, vejo-me sempre cercada de adoradores: hoje, por exemplo, tenho-me visto doida... perseguiram-me constantemente seis... era impossível ter tempo de mangar com todos a preceito.

      — Mas, d. Gabriela, onde está o seu talento?...

      — Pois bem, que se ponha outra no meu lugar.

      — Alguns homens zombariam de doze de nós outras a um tempo... Houve já um que não teve vergonha de escrever isto em um papel:

      Num dia, numa hora,

      No mesmo lugar

      Eu gosto de amar

      Quarenta,

      Cinqüenta,

      Sessenta:

      Se mil forem belas,

      Amo a todas elas.

      — Que pateta!

      — Que tolo!...

      — Que vaidoso!

      — Essa opinião segue também o Augusto!

      — Qh!... e esse paspalhão!...

      Ei-las comigo... murmurou entre os dentes o nosso estudante, estendendo o pescoço a modo de cágado.

      — Como lhe fica mal aquela cabeleira!... Assemelha-se muito a uma preguiça.

      — Tem as pernas tortas.

      — Eu creio que ele é corcunda.

      — Não aquilo é magreza.

      — Forte impertinente! Falando, é um Lucas...

      — Há de ser interessante dançando!

      — Vamos nós tomá-lo à nossa conta?

      — Vamos; pensemos nos meios de zombar dele crue lmente... Pois pensemos...

      Mas elas não tiveram tempo de pensar, porque, nesse momento, ouviu-se um grito de dor, ao qual seguiu-se viva agitação no interior daquela casa, onde ainda há pouco só se respirava prazer e delícias. As quatro moças levantaram-se espantadas.

      — Pareceu-me a voz de minha prima Carolina, exclamou d. Joaninha.

      — Coitada! Que lhe sucederia?...

      — Vamos ver.

      As quatro moças correram precipitadamente para fora do quarto.

      Augusto, que não estava menos assustado, saiu do seu esconderijo, vestiu-se apressadamente e ia, por sua vez, deixar aquele lugar, em que se vira em tantos apuros, quando deu com os olhos na carta do sr. Joãozinho, que, com a pressa e agitação, havia d. Gabriela deixado cair.

      O estudante apanhou e guardou aquele interessante papel, e com prontidão e cuidado pôde, sem ser visto, escapar-se do gabinete.

      Um instante depois foi cuidadoso procurar saber a causa do rumor que ouvira.

      O grito de dor tinha sido, com efeito, soltado por d. Carolina.

      Capítulo XIII: Os quatro em conferência

      Ninguém se arreceie pela nossa travessa, O grito de dor foi, na verdade, seu; mas, se alguém corre perigo, não é certamente ela. O caso é simples.

      Morava com a sra. d. Ana uma pobre mulher, por nome Paula muito