Romancistas Essenciais - Joaquim Manuel de Macedo. Joaquim Manuel de Macedo. Читать онлайн. Newlib. NEWLIB.NET

Автор: Joaquim Manuel de Macedo
Издательство: Bookwire
Серия: Romancistas Essenciais
Жанр произведения: Языкознание
Год издания: 0
isbn: 9783967245615
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Ao cupido de Praxíteles, como Aquídias de Rodes?...

      — Alguma estátua da Academia das Belas-Artes?...

      — Nada disso.

      — Então a quem?

      — A todas as senhoras, resumidas num só ente ideal. À custa dos belos olhos de uma, das lindas madeixas de outra, do colo de alabastro desta, do talhe elegante daquela, eu formei o meu belo ideal, a quem tributo o amor mais constante. Reúno o que de melhor está repartido e faço mais ainda: aperfeiçôo a minha obra todos os dias. Por exemplo, retirando-me desta ilha, eu creio que vestirei o meu belo ideal de novas formas!

      Viva o cumprimento!...

      — Foi assim, minhas senhoras, que me pude tornar constante e, graças ao meu proveitoso sistema, posso amar a todas as senhoras a um tempo, sem ser infiel a nenhuma, disse.

      — Muito bem!... Muito bem!...

      — Augusto desempenhou-se.

      O champanha estourava naquele momento. Leopoldo tomou a palavra pela ordem.

      Eu vou, exclamou, propor um belo meio de terminar estas discussões, convidando a todos os senhores para um brinde, no qual Augusto, por castigo de sua inconstância, não nos poderá acompanhar. Não é novo que mancebos bebam, no meio dos prazeres de um festim, um copo de vinho depois de pronunciar o nome daquela que é a dama de seus pensamentos. Aqui não estamos só mancebos e, pois, não faremos tanto; pronunciaremos, contudo, a inicial do primeiro nome.

      — Sim! Sim! disse Filipe, Augusto não beberá conosco...

      — Não, maninho, acudiu a interessante Moreninha, ele há de beber também.

      — Ah, minha senhora! No beber um copo de champanha não está a dúvida; a dificuldade toda é poder, entre tantos nomes, escolher o mais amado. Acode-me tal número dos que têm tocado o superlativo do amor...

      — M... disse Leopoldo, esvaziando seu copo.

      — C... pronunciou Filipe, olhando para d. Clementina.

      — J... balbuciou Fabrício, exasperado com um acesso de tosse que atacara Augusto.

      Os outros mancebos pronunciaram suas letras, e só o inconstante faltava.

      — Eia! Ânimo, sr. Augusto, disse d. Carolina.

      — Mas que letra, minha senhora?... se eles me dessem licença, faria o enorme sacrifício de reduzir as que me lembram ao diminuto número de vinte e três.

      — Nada! nada! Nesta saúde não entra o número plural.

      — Pois bem, sr. Augusto, continuou a menina, uma coleção não deixa de ser singular; beba o seu copo de champanha ao alfabeto inteiro!

      — Sim, minha senhora, ao alfabeto inteiro!

      Meia hora depois levantaram-se da mesa. Leopoldo aproximou-se de Augusto.

      — Então que dizes, Augusto?...

      — Que passaremos a mais agradável noite.

      — E quem ganhará a aposta?

      — Eu.

      — De qual destas meninas estás mais apaixonado?...

      — Estou na minha regra, mas hoje tenho-me apaixonado só de três, principalmente.

      — E o que pensas da irmã de Filipe?

      — A melhor resposta que te posso dar, é... não sei... porque, ao meio-dia, a julgava travessa, importuna e feia, mas era-me completamente indiferente.

      — À uma hora?...

      — Eu a supus estouvada e desagradável.

      — Às duas horas?...

      — Má, e desejava vê-la longe de mim.

      — Durante o jantar?...

      — Fui achando-lhe algum espírito e acusei-me por havê-la julgado feia.

      — E agora?

      — Parece que me sinto inclinado a declará-la engraçada e bonitinha.

      — E daqui a pouco?

      — Eu direi.

      Capítulo VI: Augusto com seus amores

      Poucos momentos depois da cena antecedente, a sala de jantar ficou entregue unicamente ao insaciável Keblerc, que entendeu, não sabemos se mal ou bem, que era muito mais proveitoso ficar fazendo honra a meia dúzia de garrafas de belo vinho, do que acompanhar as moças, que se foram deslizar pelo jardim. Outro tanto não fizeram os rapazes, que de perto as acompanharam, assim como pais, maridos e irmãos, todos animados e cheios de prazer e harmonia, dispostos a acabar o dia e entrar pela noite com gosto.

      Mas dissemos que não sabíamos se Keblerc havia feito bem ou mal em não imitar os outros. Sem dúvida já fomos condenados por homens de mau gosto; cumpre-nos dar algumas razões. Entendemos. cá para nós, que por diversos caminhos vão, tanto o alemão como os rapazes, a um mesmo fim. Em resultado, esgotadas as garrafas e terminado o passeio, haverá mona, não só na sala de jantar, mas também no jardim; a diferença é que uma será mona de vinho e a outra de amor. Esta última costuma sempre ser a mais perigosa. Pela nossa parte confessamos que não há cachaça que embebede mais depressa do que uma que se bebe nos olhos travessos de certas pessoas.

      Passeava-se. Cada cavalheiro dava o braço a uma senhora, e, divagando-se assim pelo jardim, o dicionário das flores era lembrado a todo momento. Menina havia que, apenas algum lhe dizia, apontando para a flor:

      — Acácia!

      — Sonhei com você! respondia logo.

      — Amor-perfeito!

      — Existo para ti só! tornava imediatamente.

      E o mesmo faria a respeito de todas as flores que lhe mostravam. Era uma doutora de borla e capelo em todas as ciências amatórias; e esta menina era, sem mais nem menos, aquela lânguida e sonsinha d. Quinquina... Fiai-vos nas sonsas!

      Um moço e uma moça, porém, andavam como se costuma dizer, solteiros; bem vezes dela se aproximava o sujeito, mas a bela quanto mais perto a via, mais saltava, corria, voava como um beija-flor, como uma abelha ou, melhor, como uma doidinha. Eram eles d. Carolina e Augusto.

      Augusto passeava só, contra vontade; d. Carolina por assim o querer.

      Augusto viu de repente todos os braços "engajados". Duas senhoras, a quem se dirigiu, fingiram não ouvi-lo ou se desculparam. O inconstante não lhes fazia conta, ou antes queriam, tornando-se difíceis, vê-lo requestando-as; porque, desde o programa de Augusto, cada uma delas entendeu lá consigo que seria grande glória para qualquer, prender com inquebráveis cadeias aquele capoeira de amor e que o melhor meio de isto conseguir era fingir desprezá-lo e mostrar não fazer conta com ele. Exatamente intentavam batê-lo por meio dessa tática poderosa, com que quase sempre se triunfa da mulher, isto é, pouco a pouco.

      D. Carolina, pelo contrário, havia rejeitado dez braços. Queria passear só. Um braço era uma prisão e a engraçada Moreninha gosta sobretudo da liberdade. Ela quer correr, saltar e entender com as outras; agora adiante de todos, e daqui a pouco ser a última no passeio; viva, com os olhos brilhantes; ágil, com seu pezinho sempre pronto para a carreira; inocente para não se envergonhar de suas travessuras e criada com mimo demais para prestar atenção ao conselho de seu irmão, está em toda a parte, vê, observa tudo e de tudo tira partido para rir-se. Em contínua hostilidade com todas aquelas que passeavam com moços, de cada vista d’olhos, de cada suspiro, de cada ação que percebia, tirava motivo para seus epigramas; e, inimigo invencível, porque não tinha fraco por onde fosse atacado, era por isso temido e acariciado. Deixemô-la, pois, correr e saltar, aparecer e desaparecer ao mesmo tempo; nem à nossa pena é dado o poder de acompanhá-la, que ela é tão rápida como o pensamento.

      Finalmente, o pobre Augusto encontrou uma senhora que