Mestres da Poesia - Mário de Andrade. Mário de Andrade. Читать онлайн. Newlib. NEWLIB.NET

Автор: Mário de Andrade
Издательство: Bookwire
Серия: Mestres da Poesia
Жанр произведения: Языкознание
Год издания: 0
isbn: 9783969443712
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caminhões rodando, as carroças rodando,

      Rápidas as ruas se desenrolando,

      Rumor surdo e rouco, estrépitos, estalidos...

      E o largo coro de ouro das sacas de café!...

      Lutar!

      A vitória de todos os sozinhos!...

      As bandeiras e os clarins nos armazéns abarrotados...

      Hostilizar!... Mas as ventaneiras dos largos cruzados!...

      E a coroação com os próprios dedos!

      Mutismos presidenciais, para trás!

      Ponhamos os (Vitória!) colares de presas inimigas!

      Enguirlandemô-nos de café-cereja!

      Taratá! e o pean de escárnio para o mundo!

      Oh! este orgulho máximo de ser paulistamente!!!

      As enfibraturas do Ipiranga

      (Oratório profano)

      “O, woe is me

      To have seen what I have seen, see what I see!"

      Shakespeare

      Distribuição das vozes:

      OS ORIENTALISMOS CONVENCIONAIS — (escritores e demais artífices elogiáveis) — Largo, imponente coro

      afinadíssimo de sopranos, contraltos, barítonos, baixos.

      AS SENECTUDES TREMULINAS — (milionários e burgueses) — Coro de sopranistas.

      OS SANDAPILÁRIOS INDIFERENTES — (operariado, gente pobre) — Barítonos e baixos.

      AS JUVENILIDADES AURIVERDES — (nós) — Tenores, sempre tenores! Que o diga Walter von Stolzing!

      MINHA LOUCURA — Soprano ligeiro. Solista.

      Acompanhamento de orquestra e banda.

      Local de execução: A esplanada do Teatro Municipal. Banda e orquestra colocadas no terrapleno que tomba sobre os jardins. São perto de cinos mui instrumentistas dirigidos por maestros... vindos do estrangeiro. Quando a solista canta há silêncio orquestral — salvo nos casos propositadamente mencionados. E, mesmo assim, os instrumentos que então ressoam, fazem-no a contragosto dos maestros. Nos coros dos ORIENTALISMOS CONVENCIONAIS a banda junta-se à orquestra. É um tutti formidando.

      Quando cantam as JUVENILIDADES AURIVERDES (há naturalmente falta de ensaios) muitos instrumentos silenciam. Alguns desafinam. Outros partem as cordas. Só agüentam o rubato lancinante violinos, flautas, clarins, a bateria e mais borés e maracás.

      OS ORIENTALISMOS CONVENCIONAIS estão nas janelas e terraços do Teatro Municipal. As SENECTUDES TREMULINAS

      disseminaram-se pelas sacadas do Automóvel Clube, da Prefeitura, da Rôtisserie, da Tipografia Weisflog, do Hotel

      Carlton e mesmo da Livraria Alves, ao longe. Os SANDAPILÁRIOS INDIFERENTES berram do Viaduto do Chá. Mas as JUVENILIDADES AURIVERDES estão em baixo, nos parques do Anhangabaú, com os pés enterrados no solo. MINHA LOUCURA no meio delas.

      Na Aurora do Novo Dia

      Prelúdio

      As caixas anunciam a arraiada. Todos os 550.000 cantores concertam apressadamente as gargantas e tomam fôlego com exagero, enquanto os borés, as trompas, o órgão, cada timbre por sua vez, entre largos silêncios reflexivos, enunciam, sem desenvolvimento, nem harmonização o tema: "Utilius est saepe et securius quos non habeat multas consolationes in hac vita."

      E começa o oratório profano, que teve por nome

      AS ENFIBRATURAS DO IPIRANGA.

      AS JUVENILIDADES AURIVERDES

      (pianíssimo)

      Nós somos as Juvenilidades Auriverdes!

      As franjadas flâmulas das bananeiras,

      As esmeraldas das araras,

      Os rubis dos colibris,

      Os lirismos dos sabiás e das jandaias,

      Os abacaxis, as mangas, os cajus

      Almejam localizar-se triunfantemente,

      Na fremente celebração do Universal!...

      Nós somos as Juvenilidades Auriverdes!

      As forças vivas do torrão natal,

      As ignorâncias iluminadas,

      Os novos sóis luscofuscolares

      Entre os sublimes das dedicações!...

      Todos para a fraterna música do Universal!

      Nós somos as Juvenilidades Auriverdes!

      OS SANDAPILÁRIOS INDIFERENTES

      (num estampido preto)

      Vá de rumor! Vá de rumor!

      Esta gente não nos deixa mais dormir!

      Antes “E lucevan le stelle” de Puccini!

      Oh! pé de anjo, pé de anjo!

      Fora! Fora o que é de despertar!

      (A orquestra num crescendo cromático de contrabaixos anuncia...)

      OS ORIENTALISMOS CONVENCIONAIS

      Somos os Orientalismos Convencionais!

      Os alicerces não devem cair mais!

      Nada de subidas ou de verticais!

      Amamos as chatezas horizontais!

      Abatemos perobas de ramos desiguais!

      Odiamos as matinadas arlequinais!

      Viva a Limpeza Pública e os hábitos morais!

      Somos os Orientalismos Convencionais!

      Deve haver Von Iherings para todos os tatus!

      Deve haver Vitais Brasis para os urutus!

      Mesmo peso de feijão em todos os tutus!

      Só é nobre o passo dos jaburus!

      Há estilos consagrados para Pacaembus!

      Que os nossos antepassados foram homens de truz!

      Não lhe bastam velas? Para que mais luz!

      Temos nossos coros só no tom de dó!

      Para os desafinados, doutrina de cipó!

      Usamos capas de seda, é só escovar o pó!

      Diariamente à mesa temos mocotó! .

      Per omnia saecula saeculorum moinhos terão mó!

      Anualmente de sobrecasaca, não de paletó,

      Vamos visitar o esqueleto de nossa grande avó!

      Glória aos iguais! Um é todos! Todos são um só!

      Somos os Orientalismos Convencionais!

      AS JUVENILIDADES AURIVERDES

      (perturbadas com o fabordão,

      recomeçam mais alto, incertas)

      Magia das alvoradas entre magnólias e rosas...

      Apelos do estelário visível aos alguéns...

      — Pão de ícaros sobre a toalha extática do azul!

      Os tuins esperanças das nossas ilusões!

      Suaviloquências entre as deliquescências

      Dos sáfaros, aos raios do maior solar!...

      Sobracemos