– Claro que você sabe onde está –disse para mim mesmo–, claro que sim. Fiquei descansando quase meia hora e depois tornei a caminhar. Cada vez que contornava uma clareira e tinha que retomar a direção supostamente correta estava mais convencido de que podia estar dando voltas durante anos sem me dar conta. Tudo me parecia igual e o sol já não me servia de muita ajuda. Olhava a que altura se encontrava, comprovava com a hora do relógio e chegava à conclusão de não ter a menor ideia do que estava fazendo. Segui o mesmo ritmo toda a manhã; andava uma hora e descansava um pouco. Nos momentos de descanso lia o livro de frases em suaíli ou o de viagens para entreter a mente com algo, pelo menos serviria para poder me comunicar com alguém em um encontro hipotético. Cada vez me custava mais para me levantar e continuar, o joelho me fazia mancar e por volta das duas da tarde caí, rendido.
A culpa de tudo era minha, eu havia arrastado meus amigos a este lugar infernal, por minha culpa haviam morrido. Se lhes tivesse dado ouvidos estaríamos agora voltando da Itália com um monte de fotos de Veneza e algum cartão postal da Toscana. Culpa minha, tudo era culpa minha.
Estava sedento e meu estômago rugia sem parar. Tinha um dilema: Comia em condições para recuperar as forças ou economizava devido a escassez de comida de que dispunha e me arriscava a que me acontecesse algo? Seria de se supor que em uma selva conseguir comida e água deveria ser fácil, ou era o que acreditava nestes momentos, e eu tinha muita fome. Assim, optei por beber uma das latas de refresco e comer os biscoitos mordiscados, afastando as formigas aos sopros, e o sanduíche. Abrandei um pouco o apetite voraz. Guardei o marmelo, pensando que demoraria mais a estragar. Logo caí no sono pelo cansaço e por não ter podido dormir na noite anterior.
Quando despertei, ouvi um sibilo bem próximo. Devia haver uma serpente ao meu lado. Fiquei completamente quieto tentando aguçar o ouvido para descobrir onde poderia estar. O medo me comprimiu o estômago e começou a me dificultar a respiração. Uma vez havia visto uma reportagem sobre umas serpentes que se chamavam "serpentes dos três passos", porque quando mordiam só dava tempo de dar três passos antes de cair morto. No fundo isso não seria má situação, mas se me mordesse uma que me fizesse agonizar durante horas, perdendo o controle do corpo pouco a pouco, chegando ao paroxismo da loucura… tinha tanto medo de sofrer, tanto pânico da dor. Se fosse morrer, que fosse rápido, quase o desejava para me libertar da situação em que estava. Eu merecia. Parecia que o sibilo estava cada vez mais próximo, também podia ouvir o estalar das folhas pela sua passagem. Vinha na minha direção, estava certo. Quase podia sentir como se deslizava por cima do meu corpo, subindo pela perna na direção do meu pescoço, quase estava chegando, ia me morder. Fechei os olhos por um momento e respirei profundamente tentando me acalmar. Logo voltei a abrir os olhos e, sem me mexer nem um centímetro, girei-os em todas as direções tentando localizá-la. Por fim consegui vê-la. Estava quieta enroscada um galho de uma árvore a três metros à minha direita, a uns dois metros de altura. Somente movia a cabeça de um lado para outro, como se vigiasse algo. Era de cor verde com um leve toque azulado, um pouco amarelada nas costas, com a cauda longa, com algo mais de um metro de comprimento e o corpo delgado, como se comprimido lateralmente, quase invisível entre as folhas8. Quando se deslizou pelos galhos pude ver que tinha o ventre esbranquiçado.
Fiquei mais um pouco sem me mover, escutando, até que me convenci de que era essa que havia escutado e o resto havia sido fruto de minha imaginação. Levantei-me devagar e observando atentamente o solo em busca de outra serpente, mas a que via era a única. Pelo menos a única que localizei. No princípio pensei em dar uma volta e me distanciar, mas logo me lembrei de que sempre diziam que a carne de serpente tinha gosto semelhante à de frango, que era muito boa. Ou assim contavam os avós como anedotas da Guerra Civil e da fome que passaram. Parecia uma boa oportunidade de conseguir comida e, se tiver gosto bom, melhor ainda. Procurei uma vara comprida com ponta em forma de "V" para tentar prender-lhe a cabeça. Também tirei a navalha do bolso, a abri e a coloquei no cinto da bermuda. Encontrei um galho caído adequado e lhe dei a forma que buscava, recortando uma das extremidades em forma de V e sem perder a serpente de vista. O processo de preparação me pareceu interminável e me esgotou ao extremo, ainda que na realidade não exigisse nenhum esforço físico considerável.
Quando estava preparado, me aproximei sorrateiramente da serpente. Ela não pareceu se dar conta ou me ignorou, mas o caso é que não prestou a menor atenção em mim. Quando estava a meio metro levantei a vara e a golpeei na cabeça com toda minha força. Com o primeiro golpe ela ficou meio dependurada, então lhe apliquei mais dois golpes até que caísse ao solo. Logo lhe enganchei a cabeça com a forquilha da vara e a apertei bem forte contra o solo. A serpente se agitava convulsivamente, sibilando sem parar e eu estava aterrorizado. Se a soltasse para tomar distância com a vara ela poderia me atacar, a outra opção seria me aproximar mais e cravá-la com a navalha. Juntando coragem, aproximei-me mais e pisei na cauda com força, apertando-a contra o chão em uma tentativa de mantê-la quieta. Agachei-me e cravei a navalha logo abaixo da cabeça do ofídio, junto da vara, deixando-a fincada ao chão. Ainda assim continuava se agitando, de modo que descravei a navalha e cortei o pescoço dela, separando a cabeça do resto do corpo. Logo dei um pulo para trás temendo, ignorante, que ela ainda pudesse me atacar. A cauda continuava batendo sem parar, cuspindo sangue por onde antes se encontrava a cabeça. Golpeei-a algumas vezes com a vara, mas não fez diferença, então decidi deixá-la um momento. Em questão de menos de meio minuto parou de se mover paulatinamente até que ficasse completamente parada. Dei-lhe ainda alguns toques com a vara mas ela não mais se movia. Estava definitivamente morta. Por fim pude respirar tranquilo.
Meu primeiro triunfo na selva. O homem havia dominado a besta. Senti-me totalmente eufórico, por um momento todos os meus problemas se dissolveram como açúcar em um copo de leite quente. Agora sabia que subsistiria e conseguiria sair dali. Era um autêntico aventureiro, um sobrevivente nato. E nada poderia evitar que encontrasse a saída nesse labirinto verde e que regressasse a casa, ao lar. Havia sido desafiado pela mãe Natureza e havia demonstrado meu valor, minha capacidade de adaptação e de sobrevivência. Agora sabia, eu era o vencedor deste combate desigual contra mim mesmo e contra os elementos adversos.
Peguei a serpente e a abri pela metade com a navalha, tirando-lhe as tripas o melhor que pude, não sem que me causasse bastante asco. Para isso, segurei por uma ponta e a girei sobre mim mesmo a toda velocidade, dando giros rápidos e as tripas saíam voando em todas as direções. Logo pensei que isso ia contra meu plano de ser discreto e não chamar atenção, mas já havia restos de serpente por todos os lados e não tinha a menor vontade de catá-los. O que restou, terminei de limpar com a navalha, me causando alguma ânsia de vômito, já que era nojento. Depois a esfolei. Quando estava pronta me dei conta de um problema. Não podia fazer fogo para cozinhá-la pois revelaria minha existência e minha posição. Teria de comê-la crua. Reparei na carne sanguinolenta. Cortei um bom pedaço e o meti na boca. Se os animais comiam cru eu também podia. Mastiguei algumas vezes e cuspi tudo. Estava repugnante! Tinha uma consistência de plástico, como se estivesse tentando comer uma boneca de minhas irmãs ou uma cartilagem meio desfeita. Sempre gostei de carne bem passada, não conseguia comê-la mal passada e assim, completamente crua, menos ainda. O que mais me causava repulsa eram as coisas de consistência como essa carne: pele de frango mal passada, toucinho, dobradinha…
Totalmente