O menino tinha um talento genuíno para irritá-lo. Espere um segundo… Paxton… Underwood… o pai dele era o marquês de Huntington. James lembrava vagamente do homem, e ele deve ter conhecido Paxton quando o menino era muito mais novo, e devia ser por isso que ele lhe parecia familiar. Mas isso não explicava por que ele deveria lembrar do rapaz. Não havia razão para tal coisa.
– Nós decidimos, meus meninos e eu – ele disse enquanto gesticulava com a adaga —, que queremos assumir o controle sobre você. Encontramos informações sobre a localização de um contrabandista e ela levou até você. Agora, você pode assinar os documentos entregando o navio e nós libertaremos seus criados e diremos a eles como encontrá-lo, ou poderemos matá-lo e tomar o navio.
Um músculo se contraiu debaixo do olho direito de James. Alguém o delatara, mas lidaria com isso mais tarde. Aquelas cordas estavam muito bem atadas para o seu gosto, e ele precisava afrouxá-las. Não que fosse dado a bater em crianças, mas se o rapazote continuasse brandindo aquela lâmina em sua direção, bateria nele, isso se ele estivesse podendo usar as mãos ou as pernas. Não seria muito exigente.
– Está disposto a matar por um navio que você poderia ter simplesmente roubado em vez de viajar até Summerfield para fazer um enorme estardalhaço por causa de legalidades… antes de voltar para Londres e tomá-lo do mesmo jeito? – Ele bateu a cabeça na árvore e riu. – Eu não posso assinar nada estando amarrado, se você me desamarrar, retribuirei dez vezes as boas-vindas. – Ele olhou dentro dos olhos de Underwood. – Prometo.
Underwood deu de ombros.
Mas uma coisa ainda o incomodava.
– Você não sabia mesmo a casa de quem estava invadindo, e ainda assim conseguiu encontrar a localização sem procurar por mais informações?
Ele deu de ombros.
– Pareceu-me uma boa ideia quando a tive.
James fez um som de desgosto que veio do fundo da garganta. Essas crianças estavam brincando com coisas que não entendiam ou com as quais não se importavam.
– Você está mesmo disposto a macular a sua alma com o mal por causa… de um navio e pelo pensamento de que o contrabando é uma forma digna de passar vida?
– É bom o bastante para você.
James abriu a boca para continuar argumentando, mas a fechou. Ele era o terceiro na linha de sucessão para um título pouco importante e que vinha sendo usado pelos homens da família da mesma forma que as mulheres usavam as joias das mães que passavam de geração em geração. Ele tinha comprado uma posição na marinha, a única vez que já usou o nome e a fortuna da família para conseguir algo sem lutar por aquilo. Entretanto, as guerras tinham estourado e, para seu desalento, ele nunca tinha sido enviado para a batalha. Ele queria participar, mas a Marinha Real não precisou dele mais do que o seu pai tinha precisado quando ele foi gerado como um segundo sobressalente. Não tinha mais nada a fazer com o próprio tempo, e foi assim que ele acabou envolvido com o contrabando e construindo a própria fortuna. Desencorajado pela vida, ele queria um pouco de aventura e perigo; mas até aquilo foi perdendo o encanto.
– Não tem nada a dizer? – Underwood falou arrastado. – É claro, se você se libertar, você estaria em minhas mãos. Agora que descobri a sua identidade, e que tomarei o seu navio, eu estaria inclinado a deixar o passado para trás se você estiver disposto a convencer o seu pai de que eu seja o melhor pretendente para a sua irmã.
E por fim, toda a razão por trás daquela farsa estava vindo à luz. James latiu uma risada, e Underwood olhou feio para ele.
– Você nem ao menos sabia qual homem iria atacar esta noite, e agora acha que vou juntar a minha única irmã com uma criança que anseia roubar o meu navio e me chantagear? Você só pode estar delirando. – Os malditos nós se recusavam a afrouxar. A pele já estava ficando em carne viva. Se não pudesse irritar o molecote até que ele o soltasse, estaria perdido.
O diabrete investiu, indo para frente, olhando feio para ele. Ele espetou o peito de James levemente com a ponta do punhal.
– Eu vou ter Wendelin como minha noiva, não se engane quanto a isso. Foi uma feliz coincidência que o meu alvo desta noite tenha sido você.
– Só por cima do meu cadáver.
O sorriso no rosto do rapaz ficou ainda mais sinistro.
– Será um prazer.
Underwood fez sinal para os meninos que rodeavam James, cada um o atingiu com um bom soco no rosto ou no estômago até que ele ficou sem fôlego e com o corpo todo latejando. Quando eles finalmente o desamarraram, ele tombou, respirando com dificuldade. Não era assim que deveria ser a minha fuga. Em algum momento, ele voltou a perder a consciência, provavelmente devido ao primeiro golpe na cabeça e por ter sido atingido repetidamente enquanto caía no chão.
ELE ESTAVA EM UM ESQUIFE com Underwood e dois de seus capangas. A praia nos limites de Summerfield mal era visível. Bom Deus, eles iam jogá-lo no mar para que ele se afogasse? Lutou para ficar consciente. As mãos estavam amarradas mais uma vez. Malditas cordas!
Underwood usou a adaga para cortar as amarras de James. A lâmina era afiada, e ele não teve dificuldade para partir a corda grossa com um único movimento. Antes que James pudesse reagir, os capangas o pegaram pelos braços e o seguraram. Estremeceu, com certeza um ou duas costelas tinham sido quebradas. Ele lutou para respirar nesta nova posição.
– Segure o braço esquerdo dele.
Então, Underwood se ajoelhou ao seu lado e ergueu a adaga com ambos os braços bem acima da cabeça enquanto a manga da camisa de James era puxada para trás para mostrar a pele, a mão estava firmemente presa na borda do esquife.
Foi então que percebeu, e seus olhos se arregalaram. Ele tentou se soltar dos capangas, mas as costelas estavam gritando de dor e ele estava enfraquecido por ter sido levado à inconsciência por duas vezes em muito pouco tempo. James devia estar com uma concussão.
Ele não poderia fazer aquilo, poderia? Underwood era pouco mais que uma criança. Um nobre mimado. Por que ele…
A lâmina fez um corte limpo, trespassando o osso em um único golpe. James não sentiu dor até que percebeu o que tinha se passado bem diante de seus olhos. Enquanto o sangue começava a jorrar e sua mão se separava do seu pulso no mar do Norte, flutuando por um momento antes de ser engolida pelas ondas, ele abafou um grito, não querendo dar aquela satisfação a ninguém.
Mas Underwood ainda não tinha acabado.
– Vamos chamar isso de jogo das possibilidades, capitão Harlow. Se você conseguir chegar vivo à praia, fará os arranjos para que sua irmã me aceite. Se não conseguir, bem, você estará morto e eu terei encontrado os documentos que precisamos em seu escritório, e eu estarei lá para consolar a pobre Wendelin quando ela for ao seu funeral. – Ele se virou para um rapaz alto que estava à sua direita, e que tinha mantido a cabeça baixada, recusando-se a olhar diretamente para James. – Cauterize a ferida. Não vai parecer com um jogo se ele sangrar no momento em que cair na água.
A agonia e a confusão o entorpeceram enquanto os jovens se movimentavam para aquecer a lâmina na vela da lanterna do barco para que pudessem selar o seu ferimento. O que ele tinha feito de tão terrível na vida para terminar assim? Contrabando era ilegal, mas ninguém jamais tinha se machucado sob a sua responsabilidade. Eles tinham um canhão a bordo do navio, o qual nunca tinha usado. Além do mais, Wendelin sabia que esse conde louco estava interessado nela? Bom Deus, que horrores Underwood faria sua irmã passar se ele conseguisse o que queria? O calor da lâmina queimando carne e tendão o tirou de seu torpor.
Ele tinha que lutar. Tinha que sobreviver. Pelo bem da irmã, James ficaria vivo e veria Underwood morto antes de permitir que a irmã ficasse um momento sequer com ele.
Os