Um Reino de Sombras . Морган Райс. Читать онлайн. Newlib. NEWLIB.NET

Автор: Морган Райс
Издательство: Lukeman Literary Management Ltd
Серия: Reis e Feiticeiros
Жанр произведения: Героическая фантастика
Год издания: 0
isbn: 9781632915245
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estar ali colocado, nos confins de Escalon, vigiando um grupo rebelde de criminosos que eles gostavam de chamar soldados. Aqueles não eram soldados – eram escravos, criminosos, rapazes, homens velhos, os indesejados da sociedade, todos alistados para vigiar uma parede de chamas que não havia mudado em mil anos. Era simplesmente apenas uma prisão glorificada e ele merecia coisa melhor. Ele merecia estar em qualquer lugar menos ali, posicionado para guardar os portões reais de Andros.

      O capitão olhou para baixo, pouco interessado, quando outra escaramuça se seguiu, a terceira daquele dia. Aquela parecia ser entre dois rapazes crescidos, que lutavam por um pedaço de carne. Uma multidão de rapazes a gritar rapidamente se colocou à volta deles, incentivando-os. Só aquilo os conseguia entreter. Estavam todos demasiado aborrecidos, de pé a vigiar as Chamas dia após dia, todos desesperadamente com sede de sangue – e ele deixou-os ter a sua diversão. Se eles se matassem uns aos outros, tanto melhor – seriam menos dois rapazes para ele vigiar.

      Ouviu-se um grito quando um dos rapazes levou a melhor o outro, enfiando uma adaga no seu coração. O rapaz ficou flácido enquanto os outros celebravam a sua morte, tendo rapidamente, imediatamente a seguir, pilhado o cadáver por qualquer coisa que pudessem encontrar. Foi, pelo menos, uma morte misericordiosamente rápida, muito melhor do que as lentas que os outros teriam de ali enfrentar. O vencedor deu um passo em frente, empurrou os outros para o lado, baixou-se e tirou o pedaço de pão do bolso do homem morto, guardando-o no seu próprio bolso.

      Era apenas mais um dia em Chamas e o capitão ardia indignado. Ele não merecia aquilo. Ele tinha errado, em tempos, desobedecendo a uma ordem direta e como castigo tinha sido mandado para ali. Era injusto. O que ele não daria para ser capaz de voltar atrás e mudar aquele momento no seu passado. A vida, pensou, podia ser demasiado exigente, absoluta e cruel.

      O capitão, resignado ao seu destino, virou-se e olhou para as Chamas. Havia algo sobre o seu sempre presente crepitar, mesmo depois de todos aqueles anos, que ele sentia ser sedutor, hipnótico. Era como olhar para o rosto do próprio Deus. Perdendo-se no brilho, pensava sobre a natureza da vida. Tudo parecia tão sem sentido. O seu papel ali – todos os papéis daqueles rapazes ali – pareciam tão sem sentido. As Chamas mantinham-se há milhares de anos e nunca iriam morrer e, enquanto ardessem, a nação de Trolls nunca conseguiria avançar. Marda bem podia estar do outro lado do mar. Se lhe competisse a ele, ele pegaria nos melhores rapazes e colocá-los-ia noutros lugares de Escalon, ao longo da costa, onde eles realmente fizessem falta, colocando todos os criminosos no meio deles até à morte.

      O capitão perdeu a noção do tempo, como frequentemente lhe acontecia, perdendo-se no brilho das Chamas. No entanto, ao final do dia, de repente, semicerrou os olhos, em alerta. Ele tinha visto algo, algo que não conseguia entender bem. Esfregou os olhos, pensando que devia estar a ver coisas. No entanto, ao observar, lentamente ele percebeu que não estava a ver coisas. O mundo estava a mudar diante dos seus olhos.

      Lentamente, o crepitar sempre presente, para o qual ele acordava todos os dias desde que ali tinha chegado, silenciou-se. O calor que emanava das Chamas desapareceu de repente, fazendo com que sentisse um arrepio, um verdadeiro arrepio, pela primeira vez desde que ali havia chegado. E então, ele viu a brilhante coluna de chamas vermelhas e alaranjadas, a que lhe tinha queimado os olhos, a que tinha iluminado o dia e a noite incessantemente, a desaparecer pela primeira vez.

      Tinha desaparecido.

      O capitão esfregou os olhos novamente, perguntando-se. Estava a sonhar? Ele viu as chamas a diminuírem até ao chão, como uma cortina a ser deixada cair. E um instante depois, já não havia absolutamente nada lá.

      Nada.

      A respiração do capitão parou. O pânico e a incredulidade lentamente apoderaram-se dele. Ele deu por si a olhar, pela primeira vez, para o que havia do outro lado: Marda. Ele tinha uma visão clara e desobstruída. Era uma terra preenchida de preto – montanhas pretas e áridas, rochas pretas e escarpadas, terra preta, árvores pretas e mortas. Era uma terra que não era suposto ele alguma vez ver. Uma terra que não era suposto ninguém em Escalon alguma vez ver.

      Seguiu-se um silêncio estonteante e os rapazes lá em baixo, pela primeira vez, pararam de lutar entre si. Todos eles, congelados em estado de choque, viraram-se e ficaram boquiabertos. A parede de fogo tinha desaparecido e, lá do outro lado, encarando-os com avidez, estava um exército de trolls, ocupando a terra, ocupando o horizonte.

      Uma nação.

      O capitão ficou apavorado. Ali, a curta distância, estava uma nação de animais, dos mais repugnantes que já tinha visto, gigantescos, grotescos, deformados, todos empunhando alabardas enormes e todos pacientemente aguardando o seu momento. Milhões deles olhavam também, aparentando estar igualmente atordoados, uma vez que, obviamente, se tinham apercebido que agora não havia nada a separá-los de Escalon.

      As duas nações permaneceram ali, encarando-se, olhando uma para a outra. Os trolls estavam radiantes com a vitória e os humanos estavam em pânico. Afinal, estavam ali simplesmente centenas de humanos contra um milhão de trolls.

      Quebrando o silêncio, ouviu-se um grito, vindo do lado dos trolls, um grito de triunfo, seguido por um grande trovão, quando estes avançaram para o ataque. Eles ressoavam como uma manada de búfalos, erguendo as suas alabardas e decepando as cabeças dos rapazes atingidos pelo pânico que nem sequer conseguiam ter coragem para correr. Era uma onda de morte, uma onda de destruição.

      O próprio capitão ficou na sua torre, demasiado apavorado para fazer alguma coisa, até mesmo para sacar da espada, à medida que os Trolls corriam na sua direção. Logo depois, ele sentiu-se a cair, enquanto a multidão enfurecida derrubava a sua torre. Aterrou nos braços dos trolls, gritando ao ser agarrado pelas garras deles e desfeito em pedaços.

      E ali deitado no chão a morrer, sabendo o que ia acontecer a Escalon, um último pensamento atravessou-lhe a mente: o rapaz que fora esfaqueado, que tinha morrido por um bocado de pão, fora o mais afortunado de todos.

      CAPÍTULO DOIS

      Dierdre sentia os seus pulmões a comprimirem-se ao tropeçar de um lado para o outro, fora de pé, desesperada por ar. Ela tentava orientar-se, mas não conseguia, com as enormes ondas de água a fazê-la andar às voltas e o seu mundo a virar-se de cabeça para baixo uma e outra vez. Mais do que tudo ela queria respirar profundamente. O seu corpo inteiro gritava por oxigênio, mas ela sabia que fazê-lo significaria certamente a sua morte.

      Ela fechou os olhos e chorou. As suas lágrimas fundiam-se com a água e ela questionava-se se aquele inferno alguma vez acabaria. O seu único consolo era pensar em Marco. Ela tinha-o visto a cair com ela na água. Tinha-o sentido a segurar a sua mão. E ela virou-se e procurou por ele. No entanto, ao procurar, ela não conseguia ver nada para além da escuridão e das ondas de espuma a rebentar e a atirá-la para baixo. Ela assumiu que Marco estava morto há muito tempo.

      Dierdre queria chorar, mas o sofrimento vencia na sua mente qualquer pensamento de autopiedade, fazendo-a pensar apenas na sobrevivência. Quando ela pensava que as ondas não poderiam ficar mais fortes, estas atiravam-na ao chão, uma e outra vez, prendendo-a lá com tanta força que ela sentia como se todo o peso do mundo estivesse em cima dela. Ela sabia que não iria sobreviver.

      Que ironia, pensava ela, morrer ali, na sua cidade natal, esmagada sob uma enorme onda criada pelo fogo do canhão dos Pandesianos. Ela preferia morrer de outra maneira qualquer. Ela podia, pensou, lidar com praticamente qualquer forma de morte – exceto com o afogamento. Ela não conseguia aguentar aquele sofrimento horrível, aquele balançar selvagem, sendo incapaz de abrir a boca e respirar o que cada gota do seu corpo tão desesperadamente ansiava.

      Ela sentiu-se a ficar mais fraca, cedendo ao sofrimento – e, em seguida, assim que sentiu que os seus olhos estavam a ponto de se fecharem, assim que percebeu que não aguentava nem mais um segundo, viu-se, de repente, às voltas, a rodopiar rapidamente para o topo, com a onda a atirá-la para cima com a mesma força com que a tinha atirado para baixo. Ela elevou-se com o impulso de uma catapulta, apressando-se para a superfície, vendo a luz do sol e sofrendo com a pressão nos ouvidos.

      Para sua surpresa, logo depois, ela chegou à superfície. Arfou, inspirando repentinamente, mais grata do