e escondeu-se; sentiu a fome e a sede e as dôres do desterro. O outro mytho, mais violento e terrivel, para filiar n'essa queda o naturalismo e anthropomorphismo, fal-o
mergulhar no bruto, e o satyro, o minotauro, é o homem a confundir-se na cathegoria inferior dos primates. Á queda succedeu a rehabilitação, como ao occaso a nova aurora de luz. Era a lei eterna das antitheses. Foi o trabalho o signal da rehabilitação, será o caminho para a apotheose.
Sic itur ad astra. Nos mythos do Oriente, tenebrosos e tragicos, o trabalho é um stigma que pésa sobre o homem, é a dor, a atribulação, é a terra produzindo cardos e espinhos, fecundada pelo suor do seu rosto. É o enigma da vida a ser iniciado pelo soffrimento e o soffrimento a retratar a vida nomada da raça primitiva, na sua passagem através do dezerto. Nos mythos do Occidente é sublime o ideal do trabalho: ahi é a gloria dos semi-deuses, é a vida errante mas heroica. Chiron ensina o mysterio da força. Os
trabalhos de Hercules, os
trabalhos de Theseu, eis outros tantos passos para a elevação do homem, perdidos hoje completamente nas sombras imperscrutaveis do mytho. Nos
trabalhos de Jason e dos Argonautas está symbolisada a inauguração do commercio de toda a raça jonica. No Oriente, o trabalho é uma fatalidade religiosa, um anathema do primeiro passo do homem. O christianismo, creado no berço de todas as religiões, vindo da Asia, transportou comsigo o mesmo dogma fatidico, mas com expiação. Suavisou o golpe da espada flammejante, que lançou o homem fóra do Eden. Exagerou a culpa para perdoar o castigo; suscitou no interior do homem uma luta, luta escura e tremenda, um
eu a combater outro
eu, a carne a revoltar-se contra o espirito, a confusão e o cahos onde havia a ordem e a harmonia, e para este dualismo desesperado apontou como panacêa – o trabalho. D'esta idéa proveiu um diluvio de sangue para rehabilitar a raça futura; foi o sangue dos martyres; a arca fluctuante a egreja; o ramo de oliveira, representando a paz universal e a fraternidade a cruz. Só tarde estes symbolos foram comprehendidos; tinham sido como o enigma da Sphinge, que devorava os que iam passando. O christianismo ao ideal do trabalho-pena ligou a universalidade. Na Edade média a ordem social era classificada pela propriedade territorial; a posse era a caracteristica do senhor, o trabalho da cultura o ferrete do servo. A Edade média feudal é uma antinomia na historia; a influencia manifesta do christianismo é a communa. O abraço dos povos pelo trabalho do commercio e da industria, eis o segredo das riquezas de Pisa, Gand, Veneza, Genova, Bruges e Florença, ao pé da barbarie dos estados feudaes.
Virtus unita fortius agit. No dia em que o homem descobriu a alavanca, o parafuso, a força da agua, foram outras tantas fadigas de que aliviou seus hombros, sobrecarregando-as na natureza. Hoje o trabalho não é o sello da culpa segundo a antiguidade biblica, não é o signal da escravidão como na Edade média, nem o tributo dos párias, como concebia Aristoteles: hoje é o symbolo da dignidade do homem. São as machinas que vão conseguindo pouco a pouco esta realeza do homem sobre o universo. O hymno do trabalho eleva-se por toda a parte, e as strophes perpetuam-se ao estrepito das grandes descobertas de Galvani, Fulton, Watt, Pascal. Pelas machinas ganha o homem tempo á custa da força, mas força dispendida pela natureza. Virá uma epoca em que elle se liberte do trabalho material; abre-se então outro horisonte mais vasto – o trabalho da intelligencia. Prometheu ergue-se dos rochedos caucasicos, não para roubar o fogo celeste, porque é Deos, mas para atear aquelle que occultou longo tempo no encéphalo. O homem desprender-se-ha da animalidade para absorver-se no anjo. Se elle se destacou de uma animalidade inferior, não está terminada a sua progressão ascencional. Esta theoria explica já a prodigiosa actividade e precocidade intellectual d'este seculo.»