A riqueza tinha as suas vantagens, embora lhe tivessem ensinado que exigia também grandes responsabilidades.
Cada vez mais frustrado, Filipe observava atentamente a expressão inflexível estampada no rosto do neto.
– Presumo que a tua recusa se deva a essa ruiva tonta que o Serge te roubou, mesmo debaixo do teu nariz. Não me olhes tão espantado – sorriu. – Achas que sou parvo? Se queres a minha opinião, teria sido uma relação desastrosa – acrescentou. Javier engoliu a raiva com dificuldade. – É demasiado doce e manipulável. Tu precisas de alguém com mais personalidade.
– Como a Ária – interveio Javier num tom seco.
– Bem, não tem de ser ela, forçosamente – murmurou. – O que importa é que se queres ser o meu herdeiro universal, tens de casar, e não abdico disso.
– Não devíamos estar a discutir… não agora.
– E por que razão é que temos de modificar os hábitos de toda uma vida? Se começares a dar-me razão, toda a família vai desconfiar de que algo de errado se passa, e eu não seria capaz de resistir às amabilidades de todos – declarou o velhote, enervado.
A relação explosiva de Javier com o avô era por vezes conflituosa, ainda que a família não compreendesse o profundo respeito que sentiam um pelo outro.
– Lamento.
– És um burro teimoso – resmungou Filipe.
Possuidor de uma autodisciplina extraordinária, Javier afastou os assuntos pessoais da cabeça e entrou no seu luxuoso Mercedes. Em Maiorca, o calor era abrasador durante aquele mês de Julho. No entanto, ele quase nem se apercebeu disso.
Olhou para relógio, caro embora discreto, e assentiu; ainda faltavam alguns minutos. Para ele, a pontualidade era simplesmente uma questão de boa educação.
À medida que avançava pelo caminho que circundava o grande edifício de pedra, o seu olho crítico de especialista não encontrou nenhum defeito nos maravilhosos jardins nem na vasta área de relvado. A zona da piscina estava quase deserta; havia apenas uns turistas deitados sob aquele sol tórrido do meio-dia maiorquino.
– Viste? – sussurrou, emocionada, uma turista que saía da piscina, dirigindo-se ao marido ensonado. – É o Javier Montero – acrescentou sem deixar de observar o homem alto que, impecavelmente vestido, apertava a mão a um jardineiro já de certa idade antes de continuar o seu caminho.
– Pelo amor de Deus, Jean! Só falta babares-te! Pensa, mulher, o que é que o Javier Montero viria aqui fazer?
– E porque não? – ripostou ela, ao mesmo tempo que apontava para o extenso terreno que rodeava a grande casa de campo do século XIII com uma torre árabe. – Ele é o dono de tudo isto.
Situado na Serra de Tramontana, aquele hotel era um refúgio para as pessoas que desejavam passar uns dias num lugar tranquilo que aliava na perfeição o histórico ao moderno, colocando ao dispor do cliente umas instalações equipadas com as últimas tecnologias e um serviço de primeiríssima qualidade.
A conjugação do passado com o presente era obviamente dispendiosa. No entanto, isso não era uma exclusividade daquele hotel, já que o mesmo sucedia nos dois outros hotéis que os Montero possuíam na ilha.
– Claro que sim – anuiu o marido. – Este hotel e sabe Deus quantos mais espalhados pelo mundo inteiro, para além da companhia aérea, dos cavalos de corrida e dos investimentos imobiliários. Existirá algum negócio que não tenha o dedo dos Montero? – questionou-se com inveja. – Ainda assim, não acredito que alguém como o Javier Montero se preocupe pessoalmente com a administração dos seus hotéis – declarou antes de voltar a adormecer.
Nesse ponto, tinha razão. Javier usava os seus talentos noutras actividades.
Desde muito cedo, Javier desenvolveu uma habilidade extraordinária para detectar recursos de mercado ainda por explorar. Sempre que um projecto apresentava dificuldades, geradas quer por conflitos laborais quer por disputas legais, ele era a pessoa mais indicada para os resolver.
Javier deslocou-se prontamente à ilha, porque foi informado de algo que o deixou bastante preocupado e aborrecido. Apreensivo, bateu à porta de carvalho maciço do escritório de Serge.
O homem entroncado que se encontrava sentado à secretária parecia inclusivamente mais alto do que ele.
– Javier! – Serge levantou-se com um sorriso de boas vindas; os dois homens cumprimentaram-se com um aperto de mãos e um abraço. – Há quanto tempo não nos víamos!
– É verdade – confirmou Javier, sorridente. – Como é que está o pequeno Raul e… a Sarah?
Quem visse o sorriso do «Senhor Icebergue», como o chamavam, jamais imaginaria a dificuldade que teve em pronunciar aquele nome.
– Onde é que está? Vi o carro dela…
– Avariou a última vez que veio cá – contou o amigo com uma certa tristeza. – Podes rir-te à vontade, Javier, porque afinal não foste tu que tiveste de empurrar aquele maldito ferro-velho. Excluindo a teimosia e o carinho irracional por aquela lata velha com rodas, a Sarah está muito bem; o teu afilhado é que não nos deixa dormir durante toda a noite.
– Já andaste a investigar discretamente sem que eu to tivesse pedido, não é verdade?
– Tudo o que puder fazer por ti é pouco, comparado com o que te devemos, Javier. Mesmo sabendo que não gostas que to diga.
– Tu não me deves nada. E quanto ao outro assunto – disse, mudando bruscamente de tema, – tens a certeza, Serge?
Serge Simeone suspirou com um olhar preocupado.
– Receio que sim. As informações que te enviei são autênticas.
– E sabes quem é?
– É um tal Luís González, um rapaz que trabalha aqui. É jovem, tem uns vinte e cinco anos. Chegou no início da temporada.
– Tem referências? – perguntou Javier, tentando controlar a sua impaciência.
– Falsificações impecáveis.
– Não há mais ninguém implicado? Refiro-me a alguém que ocupe um posto mais elevado.
Serge negou com a cabeça.
– Bem, isso já é bom.
Quando soube que um dos empregados daquele hotel vendia droga aos hóspedes, Javier, que não quis arriscar-se a comprometer nenhum dos outros empregados, preferiu pedir ajudar a alguém em cuja integridade confiava plenamente.
– No entanto, não chamaste a polícia, pois não?
– Pediste-me para esperar. O que é que vais fazer, Javier?
A expressão deste era rude e severa. Serge sabia que Javier não simpatizava com o uso de drogas como passatempo, e muito menos com os traficantes, já que a irmã mais nova quase tinha perdido a vida por causa da toxicodependência.
– Vamos visitar o Luís.
– Não pode ser assim tão mau, não te parece? – indagou Kate Anderson, antes da irmã lhe entregar as fotografias sem dizer uma palavra.
Porém, ao observar as fotografias, ligeiramente desfocadas, procurou disfarçar a comoção que a invadiu. Rapidamente se apercebeu de que não se tratavam de umas simples fotografias de uma rapariga na praia, sem soutien. Mesmo essas, os seus pais, conservadores como eram, tê-las-iam reprovado de imediato.
– Pode ser uma pessoa qualquer, não achas? – perguntou, hesitante, entregando-as à irmã.
Kate tentava desesperadamente amenizar a situação. Irritada, Susie rasgou-as e atirou-as para o chão. Contudo, ambas sabiam que aquele gesto era inútil enquanto os negativos não estivessem em seu poder.
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