“Não será necessário”, Emily disse, aborrecida. “Posso fazer tudo sozinha.”
Daniel abriu a porta da frente, deixando a neve gelada entrar em espirais dentro da casa. Ele se refugiou em sua jaqueta, e então olhou para trás sobre o ombro. “O orgulho não vai lhe levar muito longe neste lugar, Emily. Não há nada de errado em pedir ajuda”.
Ela quis gritar algo para ele, discutir, refutar sua afirmação de que ela era orgulhosa demais, mas ao invés apenas observou suas costas enquanto Daniel desaparecia no turbilhão de neve escura, incapaz de falar, sua língua completamente amarrada.
Emily fechou a porta, isolando-se do mundo externo e da fúria da nevasca. Agora, ela estava completamente sozinha. A luz da lareira acesa na sala de estar se espalhava pelo corredor, mas não era forte o bastante para alcançar as escadas. Ela olhou para a longa escada de madeira, como desaparecia na escuridão. A menos que estivesse preparada para dormir em um dos sofás empoeirados, teria que ter o sangue-frio de se aventurar no andar de cima e entrar na escuridão completa. Ela se sentiu como uma menina de novo, com medo de descer no porão escuro, inventando todos os tipos de monstros e demônios que estavam esperando-a lá embaixo para pegá-la. Só que agora ela era uma mulher adulta de 35 anos, assustada demais para subir as escadas, porque ela sabia que a visão do abandono era pior que qualquer monstro que sua mente pudesse criar.
Ao invés de subir, Emily voltou para a sala de estar, esperando banhar-se no calor do fogo, enquanto ele durasse. Ainda havia alguns poucos livros na estante — O Jardim Secreto, Cinco Crianças e Um Segredo, A Coisa — clássicos que seu pai lia para ela. Mas o que houve com o resto? Para onde foram os pertences de seu pai? Eles haviam desaparecido naquele lugar desconhecido, assim como ele.
Quando as brasas começaram a se apagar, a escuridão se estabeleceu ao redor dela, combinando com seu humor sombrio. Emily não podia mais suportar a fadiga; chegara o momento de subir a escada.
Assim que ela saiu da sala de estar, ouviu um barulho estranho vindo da porta da frente. Seu primeiro pensamento foi de alguma criatura selvagem fuçando em busca de restos, mas o barulho era preciso demais, pensado demais.
Com o coração batendo forte, ela percorreu o corredor em passos silenciosos e ficou de pé atrás da porta, aproximando o ouvido dela. Seja lá o que for que pensou ter ouvido, tinha ido embora. Tudo o que podia distinguir agora era o vento uivando. Mas algo a fez abrir a porta.
Ela a abriu e viu que, sobre o batente, estavam velas, uma lanterna e fósforos. Daniel deve ter voltado e deixado tudo aquilo para ela.
Emily pegou tudo rapidamente, aceitando de má-vontade a ajuda dele, com o orgulho ferido. Mas, ao mesmo tempo, ela estava imensamente grata por haver alguém cuidando dela. Ela pode até ter desistido da sua vida e fugido para este lugar, mas não estava completamente sozinha aqui.
Emily acendeu a lanterna e finalmente se sentiu corajosa o bastante para subir a escada. Quando a luz suave da lanterna iluminou seu caminho para cima através da escada, ela observou os retratos na parede, as imagens desbotadas com o tempo, as teias de aranha suspensas por cima deles, cobertas de poeira. A maioria das fotos eram aquarelas da região – barcos à vela no mar, pinheiros do parque nacional – mas uma era um retrato de família. Ela parou, olhando para a foto, olhando para a imagem dela mesma quando era menina. Havia esquecido completamente esta foto, confinando-a em alguma parte de sua memória e deixado-a trancada lá por vinte anos.
Sufocando a onda de emoção, ela continuou a subir as escadas. Os degraus velhos estalavam alto sob ela e ela notou que alguns haviam rachado. Eles estavam desgastados por anos de passos e uma lembrança lhe voltou à mente: ela correndo para cima e para baixo por estes degraus com seus sapatos vermelhos T-bar.
Lá em cima, no hall, a luz da lanterna iluminou o longo corredor – as várias portas de madeira de carvalho escuro, a janela que ia do chão ao teto no final, e que agora estava fechada com tábuas. Seu antigo quarto era o último à direita, oposto ao banheiro. Ela não podia suportar a ideia de entrar em nenhum dos quartos. Memórias demais estariam contidas em cada um deles, lembranças demais para ela lidar no momento. E Emily não estava muito a fim de descobrir que tipo de bichos asquerosos havia adotado o banheiro como seu lar ao longo dos anos.
Então, cambaleou ao longo do corredor, passando pela velha cômoda em que tropeçara constantemente, batendo nela seu dedão do pé incontáveis vezes, e entrou no quarto dos seus pais.
À luz da lanterna, Emily podia ver o quanto a cama estava empoeirada e como as cobertas foram destruídas pelas traças ao longo dos anos. A lembrança da bela cama com dossel que seus pais dividiram se despedaçou em sua mente quando se confrontou com a realidade. Vinte anos de abandono devastaram o quarto. As cortinas estavam encardidas e amassadas, pendendo frouxas ao lado das janelas vedadas. As luminárias das paredes estavam cobertas por uma grossa camada de poeira e de teias de aranha, dando a impressão que gerações inteiras de aranhas as tinham usado como casa. A poeira espessa cobria tudo, incluindo uma penteadeira ao lado da janela, o pequeno banco em que sua mãe se sentara há vários anos enquanto passava creme com aroma de lavanda em seu rosto, olhando-se no espelho.
Emily podia ver tudo, todas as lembranças que havia enterrado ao longo dos anos. Ela não pôde conter as lágrimas. Todas as emoções que havia sentido ao longo dos últimos dias desabaram sobre ela, intensificadas pelos pensamentos sobre seu pai, subitamente chocada ao perceber o quanto sentia falta dele.
Do lado de fora, o som da nevasca se intensificou. Emily colocou a lanterna sobre o criado-mudo, levantando uma nuvem de poeira ao fazer isso, e se dirigiu à cama. O calor do fogo não chegava até aqui e ela sentia o frio cortante do ar ao redor enquanto tirava suas roupas. Na sua mala, encontrou sua camisola de seda e percebeu que não seria de muita utilidade aqui; ela estaria melhor com calças compridas e meias grossas.
Emily puxou a colcha de retalhos carmim e dourado e então deslizou para dentro da cama. Ela olhou para o teto por um momento, refletindo sobre tudo que havia acontecido nos últimos dias. Sozinha, com frio e se sentindo desesperada, apagou a luz da lanterna, mergulhando na escuridão, e chorou até dormir.
Capítulo Quatro
Emily acordou cedo na manhã seguinte, sentindo-se desorientada. Havia tão pouca luz entrando pelas janelas vedadas, que levou um momento para ela perceber onde estava. Seus olhos se ajustaram lentamente à penumbra, o quarto se materializou ao seu redor, e ela lembrou – Sunset Harbor. A casa do seu pai.
Passou-se mais um momento antes dela lembrar que também estava sem emprego, sem casa e completamente sozinha.
Emily arrastou seu corpo cansado para fora da cama. O ar da manhã estava frio. Sua aparência no espelho empoeirado da penteadeira a alarmou; o rosto estava inchado pelas lágrimas da noite passada, sua pele, repuxada e pálida. De repente, ocorreu-lhe que ela não havia comido o suficiente no dia anterior. A única coisa que havia consumido tinha sido a xícara do chá que Daniel preparou na lareira.
Ela hesitou por um momento ao lado do espelho, olhando para seu corpo refletido no vidro velho, encardido, enquanto sua mente relembrava a noite passada – o fogo acolhedor, ela sentada junto à lareira com Daniel, bebendo chá, ele zombando da inabilidade dela de cuidar da casa. Lembrou-se dos flocos de neve em seus cabelos quando havia aberto a porta para ele pela primeira vez, e a maneira como ele sumiu nevasca adentro, desaparecendo na noite escura como breu tão rapidamente como tinha aparecido.
Seu estômago roncando a tirou dos seus devaneios e de volta para o momento atual. Emily se vestiu rapidamente. A blusa amassada era fina demais para o ar frio, então, ela se enrolou no cobertor empoeirado ao redor de seus ombros. Em seguida, saiu do quarto e desceu as escadas descalça.
O andar de baixo estava silencioso. Ela espiou através da janela gelada na porta da frente e ficou surpresa ao ver que, apesar da tempestade